Título: Noites mal dormidas trazem doenças
Autor: Roberta Pennafort
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2005, Vida &, p. A13

Especialistas em medicina do sono alertam: distúrbios como ronco e apnéia podem provocar obesidade, hipertensão e doenças cardiovasculares. Isso porque a queda da oxigenação no cérebro que ocorre nas noites mal dormidas alteram significativamente o metabolismo do indivíduo, o que, a longo prazo, pode levar até à morte. Cerca de 20 mil brasileiros morrem por ano em decorrência de complicações desencadeadas por esses problemas. O otorrinolaringologista Lucas Lemes, especializado no assunto, vem comprovando em seu trabalho à frente do Laboratório de Pesquisas em Microcirculação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) os perigos das doenças do sono. Em três anos de atendimento, ele já recebeu 300 pacientes, dos quais 70% sofriam do coração e tinham pressão alta. São casos gravíssimos, de pessoas que são despertadas até 400 vezes durante a madrugada por falta de oxigênio no organismo.

O fenômeno ocorre quando a passagem de ar pela garganta é fechada, devido ao relaxamento dos músculos da região. Dessa forma, o gás não chega aos pulmões. "A pessoa acha que dorme oito horas, mas acorda sem ter descansado nada", explica o médico, autor do livro Viver sem Roncos, escrito em parceria com o psicanalista Holmes Aquino, do Serviço de Psiquiatria da Uerj, e lançado em novembro.

Em 40% dos casos, Lemes recomendou a utilização do CPAP, único meio de essas pessoas conseguirem dormir. Trata-se de uma máscara nasal conectada a um compressor que gera pressão de ar nas vias respiratórias. Nei Ribeiro, tabelião de 64 anos, foi um desses pacientes. Ele usa o CPAP diariamente, desde 2000.

Exames noturnos feitos pela equipe de Lemes durante o sono de Ribeiro mostraram que ele parava de respirar até 380 vezes por conta da apnéia. "Acordava extremamente cansado, o sono não era reparador. Senti que havia uma anomalia e fui procurar ajuda", conta. O caso dele confirma os dados coletados pelo otorrino: Ribeiro era hipertenso e estava acima do peso. O quadro vem melhorando com o uso do CPAP.

Como não há cura para a apnéia, o equipamento tem de ser adotado para toda a vida. O preço é salgado: em média, US$ 1.000 (cerca de R$ 2.600). Recentemente, Nei Ribeiro comprou um por R$ 4.800. Ele não reclama. "Passei a dormir muito melhor. Outro dia, o CPAP enguiçou e tive uma noite de cão. Quando viajo, sempre levo comigo." Além do acessório, é preciso tratar da pressão e controlar o peso. Recomenda-se seguir uma dieta traçada por um nutricionista e iniciar uma rotina de exercícios físicos, para emagrecer, oxigenar o organismo e melhorar a atividade cardiovascular.

SONHO

Dormir bem, por uma noite inteira, é o sonho de Jorge Carrozzino Amaral, de 38 anos, que procurou o laboratório da Uerj pela primeira vez há duas semanas. Por causa do ronco, ele perdeu a mulher e o emprego e já se envolveu em muita confusão. Como na vez em que brigou num ônibus porque o companheiro de banco o cutucou por conta do barulho.

O emprego de segurança de boate ele deixou porque não conseguia se manter de pé. A ex-mulher foi embora há cinco anos, após oito de casamento. "Ela me tratava muito mal, me colocava para dormir na sala", lembra. "Meu ronco realmente é alto. Moro no 2.º andar e o vizinho do 4.º reclama." A história de Amaral é comum: o ronco afasta os cônjuges, afeta a vida profissional e leva à depressão, irritabilidade e perda de memória.

"É bom que as pessoas procurem ajuda logo no início, para que o quadro não se torne grave", aconselha Lemes.