Título: Rede de ferrovias encolheu 4 mil quilômetros desde a privatização
Autor: Irany Tereza, Nicola Pamplona
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2005, Economia, p. B1

A malha ferroviária brasileira encolheu depois da privatização: 4 mil quilômetros foram desativados em trechos considerados antieconômicos, segundo a Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut). É extensão suficiente para cruzar o País, de Belém (PA) ao Chuí (RS). O sistema vive hoje conflitos comerciais e deficiência logística, que dificultam a ampliação da rede e estrangulam ainda mais a infra-estrutura de transporte. O primeiro caso pode ser exemplificado pelo parecer da Secretaria de Direito Econômico (SDE), emitido há duas semanas, recomendando que a Vale do Rio Doce se desfaça de parte significativa de seus ativos na MRS, complexo ferroviário que atravessa Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. "De fato, todas as ferrovias têm hoje o poder da 'escolha de Sofia', de decidir quem passa e quem fica à margem do crescimento", sentencia o diretor do Centro de Estudos em Logística da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Fleury.

O segundo caso é bem representado por cenas que se repetem no dia-a-dia da rede: trens a 5 quilômetros por hora para evitar acidentes em áreas onde a invasão perigosa das faixas de domínio colocou os dormentes no quintal de casebres. Para chegar ao Porto do Rio, por exemplo, os trens da MRS logística atravessam 1 quilômetro de favelas, com casas a 1 metro dos trilhos, correndo o risco de acidentes e roubo de cargas.

Nos 28 mil quilômetros usados hoje no transporte ferroviário de carga, as composições circulam como numa corrida de obstáculos: além das invasões de favelas, mais de mil passagens de nível (cruzamentos com rodovias) e travessias por grandes centros urbanos obrigam os trens a trafegarem numa velocidade média de 20 km/h. Isso corresponde a um terço da velocidade média de tráfego de trens de carga em países desenvolvidos. "Estamos num impasse logístico. Não é hora de (construir a) Ferrovia Norte-Sul. É hora de pegar o que está aí e consertar", diz o almirante José Ribamar Miranda Dias, vice-presidente executivo da Anut.

A entidade tem uma proposta de investimentos no setor que soma R$ 2 bilhões apenas para a solução dos problemas pendentes, dinheiro que teria de ser sacado da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) cobrada sobre os combustíveis, diz o almirante. As concessionárias do setor priorizam a aquisição de material rodante (locomotivas e vagões) para atender à demanda. Além disso, há empresas em dificuldades e outras apenas começando a ter resultados positivos, depois de anos de investimentos em melhoria das redes adquiridas em privatização.

PARCERIAS

A Brasil Ferrovias opera uma malha que escoa a produção agrícola da Região Centro-Oeste ao Porto de Santos. A empresa passa por um processo de saneamento financeiro e deverá receber R$ 1,2 bilhão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de seus sócios, além de vender parte de seus ativos, para recuperar sua capacidade de investimentos.

De acordo com o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), José Alexandre Resende, a expectativa é de que a reestruturação operacional da empresa seja concluída até o fim deste mês.

Já a MRS Logística fechou 2004 com o segundo ano de lucro depois de oito anos de concessão. A empresa terminou o ano com a quebra de recordes no volume de transporte: 98,1 milhões de toneladas de cargas foram transportadas pela ferrovia no ano, 13,7% mais em relação a 2003. "Passamos os seis primeiros anos investindo pesado e só agora os resultados começam a aparecer", diz o gerente de arrendamentos e patrimônio da companhia, Sérgio Carrato.

"A expansão da malha ferroviária brasileira só vai acontecer por meio das Parcerias Público Privadas (PPPs)", diz Fleury. Os investimentos são altos e a criação de novas rotas pode levar tempo para ter demanda que remunere o investimento. Ele cita o caso da Ferrovia Norte-Sul, projeto de 2.066 km ligando Goiás a Belém e ao Porto de Itaqui, no Maranhão. "Não há ainda demanda para a Norte-Sul, mas é um projeto estratégico para o País, pois economiza muitos quilômetros no transporte da soja para Europa e Estados Unidos." Atualmente, a produção é escoada por portos como Santos ou Paranaguá.

Com PPPs ou não, é consenso que o Brasil precisará expandir sua malha ferroviária para sustentar o desenvolvimento econômico, principalmente no que diz respeito ao agronegócio e aos setores de mineração e siderurgia. Estima-se que, até 2008, haverá crescimento de 40% na produção de produtos siderúrgicos e de 22% na de grãos e fertilizantes.