Título: Acesso a Santos pode mudar lei ferroviária
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2005, economia, p. B3

Uma disputa entre as concessionárias Brasil Ferrovias e MRS Logística em torno do acesso ao Porto de Santos, que registra a maior movimentação de carga geral do País, pode forçar uma mudança na legislação do setor. O diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), José Alexandre Resende, informou que deve propor audiência pública para alterar a resolução que trata sobre regime de passagem. Ocorre no País uma situação peculiar: a malha ferroviária foi privatizada por regiões, criando nichos de operação, quando o ideal, segundo especialistas, seria licitar grandes trajetos, de mais de mil quilômetros, separadamente.

Pelas regras de privatização, ficou acertado que, quando um trem precisasse passar em redes de concessões diferentes, seria usado o chamado "tráfego mútuo". Nesse sistema, o trem pára, as locomotivas são mudadas para os equipamentos administrados pela outra concessionária, e a viagem segue com nova marca. A outra alternativa seria "direito de passagem", na qual a composição segue do início ao fim da viagem com o mesmo equipamento. A tarifa do tráfego mútuo é mais cara que a outra alternativa, já que envolve o uso de pessoal e equipamentos de outra concessionária.

A Rede Ferroviária Federal (RFFSA) foi leiloada em 1996 sem a efetiva regulamentação do setor, instituída seis anos depois. No ano seguinte, em 2003, foi instalada a ANTT, que encontrou uma situação caótica. Quando não conseguem chegar a um acordo sobre a remuneração pela passagem de um mesmo cliente por várias concessões, o que é muito comum, as empresas entram em litígio e provisionam em seus balanços os valores referentes à operação. "Há um mundo de provisionamentos de uma empresa contra a outra", diz Resende.

A pendenga no Porto de Santos é um caso à parte. "O que está em jogo nesta disputa não é a tarifa, mas o regime de passagem. O que se discute é a remuneração entre as partes. Mas, qualquer que seja a solução, o usuário não será onerado e nem prejudicado por falta de acesso", diz Resende, que preferiria não instituir novas regras. "Quanto menos se amarrar o mercado, melhor."

A chamada "Ferradura de Santos" é uma linha férrea curta, em forma de "U", com apenas 19 quilômetros na margem direita e 24 quilômetros na esquerda do porto. Controlado pela MRS este é, talvez, a menor trecho ferroviário brasileiro. E, com certeza, o mais cobiçado. A linha é o único acesso de trem ao Porto de Santos, o que a transforma no negócio mais rentável do setor. A Brasil Ferrovias registrou queixa contra a concorrente, exigindo direito de passagem no trecho para concluir o transporte de mercadorias trazidas do Centro-Oeste do País.

O caso ainda está na fase de conciliação entre as partes, que termina no próximo dia 14. "No dia 15, se não tiverem chegado a um acordo, será aberto o processo de arbitragem na ANTT", diz Resende. A questão do direito de passagem é apontada como mais um dos obstáculos ao desenvolvimento do transporte ferroviário no Brasil. Segundo o diretor do Centro de Estudos em Logística da UFRJ, Paulo Fleury, a troca dos vagões pode levar até 10 horas, em alguns casos. A MRS contesta o dado e diz que, no entorno de Santos, faz o serviço em minutos.

Fleury, que é membro do Conselho de Administração da Brasil Ferrovias, diz que a MRS cobra até 10 vezes mais do que o custo que tem para transportar sua própria carga. O impasse ocorre em praticamente todas as concessões e dificulta o transporte direto dos produtos da zona de produção até as áreas de consumo ou os portos.