Título: A maturidade do PT
Autor: Alcides Amaral
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/02/2005, Espaço Aberto, p. A2

Tão logo termine a folia do carnaval, será a vez de o PT festejar seus 25 anos de existência. Exatamente no dia 10 de fevereiro, quinta-feira, terão decorridos 25 anos da reunião no Colégio Sion, em São Paulo, onde cerca de 1.200 pessoas participaram da cerimônia de lançamento do manifesto pró-PT. Estávamos em 1980 e o então metalúrgico Lula lá estava na mesa de comando, de barba escura e com a disposição de criar uma nova legenda que nascia da "decisão dos explorados de lutar contra um sistema que não pode resolver seus problemas, pois só existe para uma minoria". O regime militar imperava no Brasil, razão por que poucos acreditavam que aquele movimento redundasse no mais importante partido do País.

Pois bem, o tempo passou, o PT cresceu e foi gradativamente ocupando mais espaço no cenário político, até que, finalmente, em 2002 chegou ao poder supremo da Nação. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente da República o partido deixava de ser o eterno opositor para se tornar governo, mudança significativa na vida da militância do PT. A necessidade de governar, em vez de contestar, criou algumas rachaduras no partido, mas, felizmente, a razão tem prevalecido acima da paixão.

Até 2002, quando em plena campanha eleitoral o PT emitiu a Carta ao Povo Brasileiro, as cores vermelhas imperavam. O PT e sua imensa militância eram claramente "contra tudo isso que está aí". "Fora FMI", "auditoria da dívida externa", "fora FHC", enfim, virar o País pelo avesso. Os mercados estavam agitados com a possibilidade de o líder desse partido se tornar presidente e a "carta" era o compromisso de que, uma vez no poder, o PT jogaria seu velho discurso fora e seguiria as modernas técnicas de administração. O povo acreditou, Lula foi eleito e as lideranças do PT (aqueles que agora usam terno e gravata) têm demonstrado maturidade na condução do governo.

Como não poderia deixar de acontecer, havia - como ainda há - os descontentes, que teimavam em manter o discurso do PT de 25 anos atrás. Os chamados "radicais", encabeçados pela senadora Heloisa Helena (AL), foram expulsos do partido e criaram uma nova sigla, o Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL). Mais recentemente, o "Movimento de Ruptura", que tenta induzir os petistas descontentes com o "novo PT" a se desfiliarem do partido, conseguiu 111 assinaturas, mas o fato não abalou as lideranças, uma vez que a legenda conta, hoje, com cerca de 700 mil filiados.

Os mais pessimistas - isto é, aqueles que ainda não acreditam na maturidade do PT - afirmam que massa significativa de aficionados do partido permanece calada, mas com a camisa vermelha por baixo. Na primeira oportunidade, as cores tradicionais voltariam a imperar e os preceitos do PT de 25 anos atrás seriam restabelecidos. O próprio presidente Lula, no recém-findo Fórum Social Mundial de Porto Alegre, quando vaiado por ala de participantes contrários aos rumos do governo, foi obrigado a utilizar o seu tradicional improviso e afirmar: "Esses que não querem ouvir são filhos do PT que se rebelaram, é próprio da juventude. Um dia eles vão amadurecer e à casa retornarão e nós estaremos de braços abertos para recebê-los." Amém!

O fato é que, apesar desses percalços, as lideranças do PT - aí incluído seu dirigente máximo, o presidente Lula - continuam com o firme propósito de fazer o que deve ser feito para que o País cresça e o trabalhador tenha condições de uma vida um pouco melhor. No seu manifesto de nascimento, os líderes diziam: "Somos um Partido dos Trabalhadores, não um partido para iludir trabalhadores." E esse parece continuar sendo o caminho, apesar de inúmeros percalços. De acordo com a cientista política Lúcia Hipólito, do Rio, o "PT não conseguiu se livrar do viés autoritário e centralizador que marcou seu nascimento". E, provavelmente, jamais se livrará. O caminho seria mais fácil de ser percorrido se a sociedade fosse ouvida, mas essa virtude parece não estar no sangue das lideranças do partido.

Não restam dúvidas, entretanto, de que o PT é um partido vitorioso. Comanda cidades e Estados, está ativamente presente na Câmara dos Deputados e no Senado e tem uma imensa legião de filiados, que faz com que seja, também, um partido rico. Não bastasse o financiamento das recentes campanhas eleitorais para prefeito, agora vai bancar a candidatura do companheiro Luiz Eduardo Greenhalgh para a presidência da Câmara. Cerca de R$ 200 mil serão gastos para que o petista obtenha a maioria dos 513 votos dos congressistas, mas esse parece ser um custo razoável para que o partido possa manter a liderança dessa importante Casa.

Entretanto, na medida em que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, declara ao Estado que "o Brasil ainda oferece uma perspectiva de risco elevado", a melhor contribuição que o PT pode oferecer ao País é continuar fiel aos preceitos da Carta ao Povo Brasileiro e manter a maturidade que ela impõe. Fui indagado, inúmeras vezes, por interlocutores estrangeiros sobre qual seria a postura do governo brasileiro quando a esquerda chegasse ao poder. O receio dos velhos dogmas do partido - "ruptura", especialmente - era evidente e ainda prevalece, embora em escala bem menor. Dando continuidade à política atual de respeito aos contratos e responsabilidade fiscal, o PT estará eliminando o "fantasma do desconhecido", pois a esquerda chegou ao poder e as regras do jogo continuaram sendo obedecidas.