Título: Bush quer cortar subsídio agrícola
Autor: PAULO SOTERO
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/02/2005, Economia, p. B1

Limitado pela necessidade de, ao mesmo tempo, conter um déficit federal que já passa de meio trilhão de dólares e ameaça a saúde financeira dos Estados Unidos, e preservar as despesas crescentes com segurança e defesa na guerra contra o terrorismo, o presidente George W. Bush incluiu profundos cortes nos programas de apoio governamental à agricultura na proposta do orçamento de US$ 2,5 trilhões para 2006, que apresentará hoje ao Congresso. O projeto de lei prevê a fixação de um limite total intransponível de US$ 250 mil em subsídios, por ano, por fazendeiro. Atualmente, esses pagamentos podem ultrapassar US$ 1 milhão e beneficiam, principalmente, os grandes fazendeiros e empresas agrícolas. Em 2003, 10% dos produtores receberam 60% dos mais de US$ 16 bilhões pagos por Washington.

Antecipada ontem pelo New York Times, a decisão de propor cortes drásticos nos subsídios à agricultura revela a disposição de Bush de gastar parte do capital político que ganhou na reeleição numa briga com um dos mais poderosos grupos dos EUA. O lobby agrícola conta com sólido apoio tanto de democratas como de republicanos no Congresso e está especialmente ativo hoje nos Estados do sul republicano, a principal base de apoio de Bush e onde se localizam as fazendas de arroz e o algodão, que nos últimos anos receberam as maiores parcelas dos pagamentos federais.

"É uma notícia muito positiva", disse ao Estado o economista Marcos Sawaya Jank, professor da Universidade de São Paulo e presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). "A nova disposição do Executivo dá o rumo à discussão sobre a nova lei agrícola americana, que está começando e será um dos temas mais importantes no Congresso americano nos próximos dois anos." Para ele, uma evolução no debate sobre a limitação do apoio oficial à agricultura é essencial para o sucesso da Rodada Doha de negociações globais, em curso na Organização Mundial do Comércio (OMC). "As mudanças introduzidas na Política Agrícola Comum da União Européia permitem redução potencial de até 70% dos subsídios na Europa", disse.

"O avanço da Rodada Doha depende crucialmente, assim, da redução dos subsídios nos EUA, que será um debate difícil entre o Executivo e o Legislativo, mas ocorre num ambiente mais favorável para os defensores da liberalização da política agrícola comparado com a discussão de anos atrás, que produziu a Farm Bill de 2002", afirmou Jank. Progressos em Doha darão novo ímpeto às negociações de acordos regionais, como a Área de Livre Comércio da América (Alca).

O debate começou antes mesmo de a proposta de Bush chegar ao Congresso. Os críticos dos subsídios aplaudiram o presidente. "Estou impressionado", disse ao NYT Kenneth Cook, presidente do Environmental Working Group, que milita contra os efeitos ecológicos adversos da atual política agrícola de Washington. "A administração Bush está abrindo a porta para a reforma da questão mais contestada da política agrícola", disse Cook. "Os contribuintes não terão mais de subsidiar cada alqueire de grão ou fardo de algodão (...) nem a destruição da agricultura familiar."

Os defensores da ajuda federal já informam que resistirão à proposta. O senador Thad Cochran, republicano do Mississippi e novo presidente da influente Comissão de Dotações da Câmara Alta do Congresso, afirmou que se esforçará bastante para impedir mudanças nos atuais níveis de apoio. Quinta-feira, a American Farm Bureau Federation e mais de uma centena de organizações do setor enviaram carta ao novo secretário da Agricultura, Mike Johanns, manifestando preocupação com a possibilidade de Bush propor "um corte de US$ 4 bilhões em pagamentos obrigatórios" previstos na lei em vigor.