Título: Defesa da concorrência
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2005, Notas & Informações, p. A3

Com um atraso de quase dois anos, o governo do PT finalmente anunciou as linhas gerais das mudanças que pretende promover no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), para adequá-lo às necessidades da economia globalizada. Para recuperar o tempo perdido, a idéia é fundir num único texto os diferentes projetos que tramitam no Congresso a respeito dessa matéria.

Criado para coibir o abuso do poder econômico e assegurar as condições institucionais para o livre jogo do mercado, o SBDC sempre enfrentou graves limitações estruturais. Seus três órgãos - o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e a Secretaria Especial de Acompanhamento ao Econômico (Seae) - têm funções mal definidas e estão subordinados a diferentes Ministérios, o que torna extremamente lento o julgamento de fusões, incorporações e processos de formação de cartel. E, embora cada um desses órgãos tenha uma lógica decisória própria e procedimentos administrativos específicos, todos estão submetidos a uma legislação antitruste anacrônica e repleta de exigências formais.

Por isso, o SBDC é um dos componentes do chamado "custo Brasil". Além de não proporcionar adequadamente a necessária segurança jurídica, o que compromete um ambiente mais favorável aos negócios, essa justaposição de competências entre o Cade, a SDE e a Seae e essa legislação anacrônica sobrecarregam os gastos das empresas com assessoria jurídica. "Vivemos hoje um desperdício de forças, separadas em muitos guichês", afirma a presidente do Cade, Elizabeth Farina.

O primeiro passo efetivo para modernizar o SBDC foi dado pelo governo passado, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso indicou para a Seae, a SDE e o Cade profissionais recrutados em meios acadêmicos e preparados para lidar simultaneamente com questões econômicas e jurídicas. No entanto, apesar do desaparelhamento em que esses três órgãos estavam, suas respectivas burocracias resistiram a qualquer iniciativa que alterasse suas prerrogativas. Foi esse o motivo que levou o atual governo a demorar quase dois anos, até obter um consenso sobre as reformas que precisam ser feitas. É a primeira vez que a reestruturação do SBDC teve o endosso de todas as partes interessadas.

Pelas diretrizes já divulgadas, a SDE cuidará exclusivamente da defesa dos interesses dos consumidores, enquanto a Seae terá a atribuição de garantir a concorrência nos mercados, sejam eles regulados ou não. Com isso, para promover fusões ou aquisições as empresas não mais precisarão esperar pelos pareceres desses dois órgãos, como ocorre atualmente, bastando pedir aprovação diretamente ao Cade. Por sua vez, este órgão passará a ser composto por um tribunal administrativo (que substituirá as funções dos atuais conselheiros), por uma diretoria-geral (que terá prerrogativa de solicitar a abertura de investigações em empresas acusadas de abuso do poder econômico) e por um departamento de estudos econômicos (que balizará tecnicamente as decisões do tribunal), além da procuradoria jurídica.

Além do fortalecimento de suas funções, o Cade, que julga em média cerca de 600 processos por ano, também será beneficiado por uma mudança radical em seus procedimentos. Para desburocratizar os julgamentos e impedir os advogados de aproveitar o excessivo formalismo do regimento interno para impetrar recursos com propósitos meramente protelatórios, o projeto autoriza o órgão a adotar o rito sumário nos casos mais simples. Com isso, ele poderá concentrar seus escassos recursos técnicos e humanos nos casos mais controvertidos.

Por serem sensatas e oportunas, todas essas diretrizes merecem aplauso. Mas seu sucesso dependerá do modo como cada uma delas for definida na redação do projeto que o governo quer enviar ao Congresso em março. Embora o Brasil necessite urgentemente de uma legislação antitruste moderna e de órgãos capazes de aplicá-la e de garantir o cumprimento de suas decisões, isso significa que as empresas ainda terão de conviver durante algum tempo com um moroso sistema de proteção do livre jogo de mercado, como o atual.