Título: Alívio enganoso
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2005, Notas & Informações, p. A3

E ngana-se quem pensa que, ao adiar por um mês o início da vigência de alguns artigos da Medida Provisória (MP) 232, que corrige a Tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) mas impõe pesados ônus tributário sobres as empresas prestadoras de serviços, o governo se rendeu à crescente pressão da opinião pública contra a medida. O que o governo fez, por meio de nova MP, de número 237, foi apenas abrir espaço para negociar certas alterações promovidas pela MP 232. Na verdade, o governo continua se recusando a discutir os pontos da MP 232 que mais prejudicam os contribuintes e o País e que têm motivado sua contestação no Supremo Tribunal Federal e alimentado a enxurrada de críticas contra ela.

A MP 237, assinada pelo presidente da República no dia 27 de janeiro e publicada pelo Diário Oficial em edição extra datada de 29 de janeiro, adia a cobrança do Imposto de Renda (IR) de produtores rurais com alíquota de 1,5% e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com alíquota de 1%. Também foi adiado o aumento da alíquota de 1% para 1,5% do IR de empresas prestadoras de diversos serviços, como limpeza, conservação, segurança, locação de mão-de-obra, transporte, medicina e engenharia. A cobrança de PIS-Cofins e CSLL de outros tipos de empresas também foi adiada. Todas essas medidas deveriam vigorar a partir de 1.º de fevereiro, mas tiveram sua vigência adiada para 1.º de março próximo.

O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, um dos que defendiam o adiamento, disse que, com a MP 237, o governo dá um sinal positivo de que quer dialogar com os congressistas. Para os contribuintes, qualquer adiamento na cobrança de tributos é uma medida positiva. Mas não se deve ter ilusões. Diante do tamanho do custo que a MP 232 impõe a centenas de milhares de contribuintes, o alívio trazido pelo adiamento é muito pequeno, quase desprezível.

Como se sabe, pressionado por dirigentes sindicais, parlamentares e contribuintes em geral, o governo concordou, no fim do ano passado, em corrigir a Tabela do IRPF, cujo congelamento impõe aumento de carga tributária aos contribuintes. Mas a Secretaria da Receita Federal buscou, em outras fontes, receitas que, pelo menos, compensassem o que estava sendo oferecido às pessoas físicas. Assim, no mesmo texto legal que corrigiu a Tabela do IRPF, o governo promoveu o aumento da tributação sobre pessoas jurídicas prestadoras de serviços.

Para os contribuintes e para a economia, a mais danosa dessas medidas é a que eleva de 32% para 40% do lucro presumido o valor sobre o qual as empresas prestadoras de serviço deverão calcular o IR a partir de 1.º de janeiro de 2006 e a CSLL a partir de 1.º de abril de 2005. Nisso a nova MP não mexeu. A medida imporá aumento de carga tributária para 800 mil empresas. É óbvio que elas repassarão pelo menos uma parte do aumento para os preços que cobram daqueles que utilizam seus serviços. Estes, por sua vez, repassarão a alta de custos para seus preços.

Só há um ganhador nesse surto de alta de custos. É o governo. Aumentos da tributação sobre empresas de serviços têm produzido ótimos resultados para os cofres públicos - e péssimos para o País. Entre 2003 e 2004, por exemplo, a arrecadação da CSLL passou de R$ 16,7 bilhões para R$ 19,5 bilhões (aumento real de 9,7%) basicamente por causa do mesmo estratagema utilizado na MP 232, a elevação da base de cálculo do tributo (em 2003, passou de 12% para 32% do lucro presumido).

O que deveria ser uma providência para aliviar as pessoas físicas foi transformado, pela esperteza da Receita Federal, num pacote tributário nocivo para o País. É por isso que ele está sendo contestado no STF por partidos políticos e combatido por empresários e profissionais liberais. A sociedade não tolera mais aumentos de impostos, ainda mais quando eles vêm embutidos em textos aparentemente benéficos para os contribuintes.

As mudanças na MP 232 são limitadas e temporárias e, como dissemos, não eliminam seus pontos mais perniciosos. Tem toda razão, por isso, o deputado Augusto Nardes (PP-RS), coordenador da Frente Parlamentar das Micro e Pequenas Empresas e do Comitê de Negociações Contra os Aumentos Tributários, quando diz que "o jogo (contra a MP 232) só está começando".