Título: 'Pai' da Dolly fará clone terapêutico
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2005, Vida &, p. A9

As pesquisas com clonagem terapêutica de células-tronco embrionárias ganharam um participante de peso ontem. Ian Wilmut, o cientista responsável pela criação da ovelha Dolly, recebeu autorização das autoridades britânicas para produzir células clonadas de pacientes com doenças neuromusculares degenerativas. O trabalho envolve a produção de embriões clonados em laboratório para obtenção das células-tronco, que serão usadas para formar neurônios e estudar a evolução da doença fora do corpo humano. É a segunda licença concedida na Grã-Bretanha desde 2001, quando a nação se tornou a primeira a legalizar a clonagem terapêutica - a produção de embriões clonados para fins de pesquisa. A clonagem reprodutiva - para clonar pessoas - continua proibida.

A autorização, dada pela Autoridade sobre Fertilização Humana e Embriologia britânica, é nominal: vale para os pesquisadores Ian Wilmut e Paul de Sousa, do Roslin Institute, na Escócia, e Christopher Shaw, do King's College London, na Inglaterra. Eles planejam produzir embriões clonados de pessoas com doenças genéticas neuromusculares (veja a ilustração). A técnica, conhecida como transferência nuclear, é a mesma que Wilmut e sua equipe usaram em 1996 para clonar a ovelha Dolly - primeiro mamífero clonado de um animal adulto. Só que em vez de colocar o embrião dentro de um útero para produzir a cópia de uma pessoa, ele será destruído para obtenção de células-tronco usadas no estudo da doença.

Os cientistas, inclusive, evitam usar a palavra "embrião" nesses casos, já que trata-se de uma cultura de células clonadas do próprio paciente, e não de um organismo originado da fertilização de um óvulo por um espermatozóide. "Isso não é clonagem reprodutiva de maneira nenhuma", disse Wilmut, em nota divulgada pelo Roslin Institute. "Os óvulos que vamos usar crescerão mais do que 14 dias. Uma vez que as células-tronco forem removidas, as restantes serão destruídas."

As células, completa Wilmut, serão usadas exclusivamente para a pesquisa de um grupo de doenças neuromusculares conhecidas pela sigla MND, em inglês. Elas incluem a esclerose lateral amiotrófica (ELA), famosa por acometer o físico Stephen Hawking. São doenças sem cura e, a maioria, de causa desconhecida, caracterizadas pela degeneração dos neurônios responsáveis pelo controle da musculatura. Os portadores perdem o controle de funções vitais e podem morrer em três a cinco anos após o surgimento dos primeiros sintomas.

As causas são muitas vezes genéticas, mas os pesquisadores não sabem quais genes são responsáveis por quais doenças. A expectativa de Wilmut, Sousa e Shaw é induzir a diferenciação das células-tronco clonadas em neurônios motores, contendo o gene responsável pela doença daquele paciente específico. O desenvolvimento desses neurônios "doentes" poderá então ser comparado ao dos neurônios de pessoas sadias, na esperança de encontrar pistas sobre o surgimento e a evolução da doença nas células. Também poderão servir para o teste de medicamentos in vitro.

"É uma pesquisa muito importante", disse a geneticista brasileira Mayana Zatz, especialista em doenças musculares de origem genética. "Eles vão tentar descobrir o que acontece nos genes logo no início, ainda no estágio embrionário, o que seria impossível em um paciente adulto."