Título: Obter cessar-fogo foi fácil, o difícil será mantê-lo de pé
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2005, Internacional, p. A10

O cessar-fogo estabelecido ontem pode parecer uma confirmação da tese de George W. Bush de que a paz brotaria naturalmente da reforma palestina e da derrota dos supostos Estados patrocinadores do terrorismo, como o Iraque. A maioria dos analistas em Washington, contudo, sugeriu que Bush pode ter se beneficiado de um momento de sorte. Saddam Hussein dava dinheiro às famílias dos homens-bomba, mas não há indícios de que sua queda tenha diminuído a disposição dos militantes para o combate.

Neste ínterim, o acontecimento fundamental dos últimos meses foi a morte de Yasser Arafat, abrindo a porta para as eleições palestinas e para a ascensão da Mahmud Abbas com um mandato para fazer uma nova tentativa em favor da paz com os israelenses.

Edward Abington, um ex-cônsul-geral dos EUA em Jerusalém que agora presta consultoria para a Autoridade Palestina a partir de Washington, disse: "O governo Bush está pegando carona em algo que os palestinos fizeram por si mesmos. O impulso para a democracia veio dos próprios palestinos e creio que teria acontecido independentemente do governo Bush."

E acrescentou: "Existe uma nova pauta, um novo estilo de liderança desde a morte de Arafat. Quando eu estava em Ramallah há três semanas, perguntei a Abu Mazen (Abbas) qual era sua prioridade. Ele disse que era o fim da violência, confiante de que poderia obter um cessar-fogo dentro de um mês." Então, conseguir um cessar-fogo palestino talvez seja a parte fácil. O mesmo vale para a suspensão por parte de Israel das operações militares em territórios palestinos.

A parte difícil, dizem os observadores, será fazer o cessar-fogo se manter e isso, por sua vez, poderá depender do quanto o governo Bush pressionar o governo de Sharon a se retirar da Cisjordânia e parar de construir assentamentos nesse território.

Essas metas ainda estão muito distantes, avalia Judith Kipper, especialista em Oriente Médio do Conselho sobre Relações Exteriores. "Sabemos que os primeiros sinais são positivos. Mas esses são os primeiros dias. As bases políticas de Sharon e Abu Mazen (Abbas) são muitíssimo frágeis. Não vamos esperar muita coisa ainda."

Desde que ingressou na Casa Branca, Bush tem sido censurado pelos críticos europeus e árabes por exercer pressão sobre o lado palestino para conter a violência de seus grupos militantes enquanto os israelenses continuaram a expandir assentamentos judeus em território ocupado e conduzir ações policiais pesadas.

A secretária de Estado, Condoleezza Rice, pareceu indicar a intenção de extrair algumas concessões do governo Sharon, quando insistiu em "decisões difíceis" para ajudar a construir uma Palestina democrática.

Abington duvida que o governo dos EUA esteja pronto para respaldar essa retórica com uma pressão de verdade. "Vejo que a atividade dos assentamentos continua a um ritmo muito rápido. Eles estão circundando o leste de Jerusalém com assentamentos e estradas que somente os colonos podem usar."

Uma autoridade americana em Ramallah disse ontem que o governo Bush não quer tomar nenhuma atitude que possa perturbar o plano de Sharon para retirar os colonos judeus e a maioria das tropas israelenses da Faixa de Gaza e de uma pequena parte da Cisjordânia.

Abbas, porém, está também numa posição frágil que muito rapidamente pode se tornar insustentável sem vantagens tangíveis para os palestinos comuns.