Título: Polêmica nuclear está de volta
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2005, Espaço Aberto, p. A2

Ao que tudo indica, vai entrar em mais uma fase polêmica a questão da energia nuclear no Brasil. Os jornais já noticiaram que recursos para Angra III estão mantidos no orçamento para 2005. Mas informações que circulam entre membros do governo dizem que na próxima reunião do Conselho Nacional de Política Energética essa fonte de energia não entrará no mix tarifário, por motivos financeiros (as tarifas são até três vezes mais altas que as de hidrelétricas) e "ambientais" (falta de destinação para os resíduos). Para entrar, a responsabilidade teria de ser repassada à Eletrobrás, para que esta busque subsídios no Tesouro Nacional.

Mas há outra visão, dos defensores da construção da usina Angra III e até de mais usinas - o argumento de que o Brasil não pode renunciar a esses projetos porque precisa dominar o ciclo completo do urânio. Além disso, o próprio ministro Celso Amorim já argumentou que "temos a maior reserva de urânio do mundo e não faz sentido enviar a outro país para ser enriquecido". O general Jorge Armando Félix, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, assegurou à imprensa que "Angra III está para sair". Também o ministro de Ciência e Tecnologia se manifestou a favor de novas usinas e da produção do urânio enriquecido (Estado, 25/11/2004).

Até aqui, embora os números às vezes divirjam, Angra I teria custado US$ 6 bilhões; Angra II, US$ 14 bilhões; e o projeto de Angra III, US$ 1bilhão. Os subsídios à energia de Angra I e II estariam custando mais de R$ 1 bilhão por dia, embora essas usinas produzam pouco mais de 2% da energia total consumida no País. Com as instalações de enriquecimento de urânio em Rezende (RJ) os gastos estariam em torno de US$ 1 bilhão e com o projeto do submarino nuclear, também em US$ 1 bilhão (outro tanto seria ainda necessário).

Mas há muitos argumentos do outro lado. O próprio engenheiro Joaquim Francisco de Carvalho, que não se opõe em princípio à energia nuclear, tem escrito (Jornal da Ciência, 22/12/2004) que "a história de que construir Angra III viabilizaria o ciclo completo do combustível nuclear é apenas um argumento de venda de firmas de engenharia, empreiteiras e vendedores de equipamentos". Na sua opinião, o Brasil fará melhor "se desenvolver todo o seu potencial hidrelétrico" - fonte de energia mais barata e menos poluidora -, do qual só utilizou até aqui 25%. Mesmo depois, deveria desenvolver sistemas nucleares "intrinsecamente seguros, de concepção mais avançada que Angra".

Para concluir Angra III, lembrou nesta página o secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, professor José Goldemberg (19/10), será necessário mais US$ 1,8 bilhão, metade para equipamentos importados, metade para obras civis. Hoje, manter os equipamentos já importados da Alemanha custa US$ 20 milhões por ano.

Na verdade, a polêmica reacendeu-se em outubro, quando a revista Science publicou artigo em que se afirmava ter o Brasil capacidade para produzir seis ogivas nucleares por ano e poderia chegar ao dobro. O Ministério de Ciência e Tecnologia desmentiu e o próprio embaixador dos EUA disse (Estado, 4/11/2004) estar certo de que o programa nuclear brasileiro é para produzir energia, "não há suspeitas com relação a armas". Até porque as instalações de Rezende enriquecem apenas de 3% a 5% o urânio, para um programa de armas nucleares precisaria de 90%.

O panorama mundial também não é claro. Existem hoje no mundo perto de 430 usinas nucleares, com potência total de 360 mil MW, mais de quatro vezes a potência instalada no Brasil, e 32 reatores estão em construção (Finlândia, França e outros países). Mas a Alemanha vai desativar todas as suas 19, assim como a Itália e outros países. Os EUA mesmos não constroem nenhuma nova há 20 anos (carvão e gás natural são fontes mais baratas, embora mais poluidoras).

A revista britânica New Scientist recentemente alinhou os argumentos que desfavorecem a energia nuclear:

Não sobrevive sem subsídios;

os custos para pesquisa e desenvolvimento são altíssimos;

também são insuportáveis os custos da disposição do lixo nuclear e do "descomissionamento" de reatores, assim como da segurança nas usinas.

Na mesma edição (19/9/2004), o cientista Nick Marshall lembrava estudo do Instituto de Ecologia Aplicada de Berlim segundo o qual, se se levar em conta o ciclo completo, até a disposição final, uma usina nuclear responde por alto volume de emissões de poluentes.

Para complicar ainda mais, a questão do lixo nuclear está cada vez mais difícil. O governo de Nevada (EUA) conseguiu embargar na Justiça o projeto do depósito de Yucca Mountain, na Serra Nevada, por falta de segurança. Mais recentemente, o Estado de Washington - onde está o maior depósito de lixo nuclear dos EUA, para o qual vão os resíduos de instalações que produzem equipamentos nucleares militares - ajuizou três ações para não receber mais esse tipo de resíduo. Já há informações de que outros Estados se recusarão a recebê-los. Inclusive porque há um forte debate sobre a questão da segurança no transporte desses materiais, em certos casos a milhares de quilômetros de distância.

Vale a pena lembrar pesquisa feita pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser) no ano passado nas sete maiores cidades brasileiras, com 2.300 entrevistados: 82,3% deles se manifestaram contra a conclusão de Angra III, por entenderem que o País dispõe de "fontes mais seguras e limpas" e disseram (84,8%) que não aceitariam a instalação de uma usina nuclear perto de suas residências.