Título: César vetaria Greenhalgh
Autor: João Mellão Neto
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2005, Espaço Aberto, p. A2

Por volta do ano 61 a.C., Caio Júlio César, ainda em ascensão, era pretor (juiz), sacerdote-chefe de Roma e membro do Senado. Surgiram indícios de que sua esposa, Pompéia, introduzira secretamente o seu amante, Clódio, num rito religioso exclusivo para mulheres. César, um predestinado, sempre zeloso de seu glorioso desígnio, divorciou-se dela de imediato. Quando questionado sobre o porquê de sua drástica atitude, uma vez que não havia provas incisivas contra Pompéia, ele respondeu: "Sou o máximo pontífice! Os meus, os de César, não devem, não podem ser suspeitos."

Júlio César estava certo. Roma ainda era uma República e ele sabia o quanto simples rumores, mesmo que jamais comprovados, poderiam comprometer a sua reputação. Vem daí o ditado popular de que, numa República, não basta à mulher de César ser honesta; ela tem de "parecer honesta", também.

Essa passagem histórica me vem à lembrança por conta da polêmica candidatura de Luiz Eduardo Greenhalgh à presidência da Câmara dos Deputados. Como ex-parlamentar, nessa eleição eu não voto, mas me sinto, ao menos, no direito de opinar. Estou torcendo contra ele. E tenho vários motivos para isso.

Desde que acompanho a carreira do nobre deputado, tenho reparado que ele só assoma às manchetes quando vinculado a episódios controversos.

Em 1991, Greenhalgh era vice-prefeito de São Paulo e ocupava a Secretaria de Negócios Extraordinários. Surgiram então indícios de um autêntico "negócio extraordinário". Segundo denúncias amplamente divulgadas pela imprensa na época, uma grande empresa incorporadora distribuíra propinas a altos funcionários da Prefeitura para facilitar a aprovação de um loteamento que conflitava com as posturas municipais. Era o "escândalo Panamby", no qual um dos supostos beneficiários - dizia-se - seria ninguém menos que o próprio Greenhalgh. Como o empreendimento ainda não havia sido aprovado, ficou tudo no terreno das suposições. A prefeita Erundina promoveu uma sindicância, ao fim da qual arquivou o projeto e tratou de demitir o seu secretário, sob o pretexto de "quebra de confiança". Não sei até hoje o que essa expressão significa. O fato é que o vice-prefeito concluiu o seu mandato em total ostracismo.

Em 2002, já como deputado federal, o polêmico senhor Greenhalgh reapareceu no noticiário como o representante oficial do PT na apuração do assassinato de Celso Daniel, prefeito de Santo André, pelo partido. Tratava-se de um assunto extremamente delicado. Era um ano de eleições presidenciais e inúmeros indícios de corrupção na prefeitura surgiram durante as investigações. Foi ventilada a hipótese de que o homicídio se dera por motivação política. À medida que os rumores cresciam, tornava-se patente o desconforto do PT. Quem salvou as aparências foi o desenvolto parlamentar, que, contra numerosas evidências, de imediato encampou a tese de que se tratava de um "crime comum". Provavelmente não era, tanto que até hoje a Justiça não deu o caso por encerrado. A pergunta que não cala: por que razão um advogado experiente, como o doutor Greenhalgh, não foi em frente nas suas investigações? Mais um episódio nebuloso a acrescentar à sua biografia.

Se ainda houvesse um Júlio César, bastariam tais jaças para descredenciar quaisquer pretensões maiores do senhor Greenhalgh. Por eventuais relevantes serviços prestados ao partido, no passado recente, ele até que poderia ser recompensado com a liderança da bancada. Não haveria maiores polêmicas, já que tal cargo é de interesse exclusivo da agremiação.

Mas, não. O PT apresenta-o como candidato oficial a nada menos do que a presidência da Câmara dos Deputados. Não se trata mais de um assunto afeto à economia interna do partido. A presidência da Câmara interessa à Nação. E é exatamente por causa de sua discutível carreira pregressa que ele vem enfrentando tantas resistências.

Em princípio, a sua condução ao cargo não deveria sofrer obstáculos. Com o intuito de evitar lutas fratricidas há uma tradição não escrita, na Câmara, pela qual o presidência da Casa cabe ao membro indicado pela bancada majoritária. Como o PT é o partido com maior número de deputados nesta legislatura, é direito seu apresentar o candidato. Em condições normais, as demais bancadas partidárias respeitariam o acordo e votariam em peso no candidato oficial. Desta vez não é isso o que está ocorrendo. Apresentaram-se mais quatro candidatos avulsos, sendo que um deles é do próprio Partido dos Trabalhadores. Bastaria esta incomum circunstância para que o PT reconsiderasse a conveniência de manter a candidatura do senhor Greenhalgh.

Além dos complicadores mencionados acima, pesa contra ele o fato de ser um político sem nenhum trânsito nas bancadas mais conservadoras e ser objeto de restrições até mesmo nos partidos de centro. Explica-se. Greenhalgh notabilizou-se, como advogado e parlamentar, por defender militantes radicais do MST, uma agremiação ilegal, que pratica atos ilegais, atenta contra a ordem institucional e despreza o Estado de Direito, por entendê-lo como um mero "instrumento de dominação burguesa". Se o Parlamento é o santuário da democracia, como pode ser ele presidido por alguém tão descomprometido com os seus valores?

Eu, por inabaláveis convicções pessoais, jamais votaria no senhor Greenhalgh. Júlio César, com certeza, também não.