Título: Resta a Alca
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2005, Notas & Informações, p. A3

O governo americano rejeitou a idéia de um acordo comercial entre Estados Unidos e Mercosul. Se o Brasil quiser um acordo com a maior economia do mundo, sobram dois caminhos. Um deles é a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), um empreendimento com 34 participantes. O outro é um acerto direto entre os dois países, semelhante àquele concluído entre as autoridades americanas e chilenas. Essa foi a explicação do vice-representante dos Estados Unidos para o Comércio Exterior, Peter Allgeier. Se havia alguma dúvida sobre o assunto, não há mais.

O ministro brasileiro de Relações Exteriores, Celso Amorim, havia sugerido o acordo ao chefe de Allgeier, Robert Zoellick, num encontro em Davos, no dia 31 de janeiro. Na ocasião, segundo Amorim, não houve resposta definitiva. Zoellick está de mudança para um novo posto, o de subsecretário de Estado, a convite da secretária Condoleezza Rice. Também um acordo Mercosul-Canadá parece improvável, nesta altura. O ministro canadense de Comércio Internacional, Jim Peterson, disse que por enquanto seu governo está concentrado na Alca, não num entendimento direto com os quatro sócios do Mercosul.

Ele deu essa resposta dois dias depois de Peter Allgeier haver esclarecido a posição de Washington. A seqüência pode ser apenas casualidade, mas o Canadá tem acompanhado as posições dos Estados Unidos na discussão da Alca. Como sócio do Mercosul, o Brasil não pode negociar, em separado, um acordo de livre comércio com os Estados Unidos. Resta, portanto, só uma das duas soluções mencionadas por Peter Allgeier: a formação da Alca. O governo brasileiro não se opõe a esse grande acordo hemisférico, pelo menos oficialmente, mas o chanceler Celso Amorim vem mencionando a idéia de um acordo Mercosul-EUA há um ano e meio.

Em 2003, no final da conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio, em Cancún, Amorim falou sobre isso numa conversa com jornalistas brasileiros. Seria a maneira mais prática, segundo ele, de negociar com os Estados Unidos o que mais interessa ao Brasil nas discussões da Alca: o acesso a mercados.

Ele voltou a enfatizar esse interesse, também numa entrevista, depois da conversa com Zoellick em Davos. O Brasil deveria, segundo ele, ir "direto aonde está o bife", isto é, buscar sem rodeios um maior acesso ao mercado americano. Não só o Brasil, mas os quatro países do Mercosul. O ministro de Relações Exteriores do Uruguai, Didier Opperti, disse que a recusa americana foi uma "decepção".

Pela proposta de Amorim, Mercosul e Estados Unidos negociariam apenas acesso a mercados. Os demais assuntos da integração, como regras de investimentos, serviços e compras governamentais, seriam discutidos com todos os demais países na Alca. Um acordo comercial Mercosul-EUA ainda facilitaria, de acordo com Amorim, a conclusão das negociações que envolvem os 34 países. Parece claro, no entanto, que os Estados Unidos não têm interesse numa discussão de acesso a mercados nem com o Mercosul nem com o Brasil. Uma das hipóteses mencionadas por Allgeier, um acordo semelhante ao concluído entre EUA e Chile, evidencia esse ponto. Os acordos bilaterais que os americanos vêm negociando envolvem muito mais que acesso a mercados. Incluem, por exemplo, regras de investimento e de proteção à propriedade intelectual definidas de acordo com as pretensões americanas.

São temas incluídos também na pauta da Alca. Algumas dessas questões envolvem dificuldades importantes. O governo brasileiro rejeita, por exemplo, regras de propriedade intelectual mais restritivas que aquelas acordadas na Organização Mundial do Comércio. Poderiam dificultar a produção de medicamentos genéricos ou, no mínimo, dar pretexto a retaliações comerciais inaceitáveis. Esse é um dos obstáculos que os negociadores terão de vencer para que as discussões da Alca sejam relançadas. O primeiro teste ocorrerá ainda este mês, em Washington, quando se reunirem os co-presidentes da negociação, o brasileiro Ademar Bahadian e o americano Peter Allgeier.