Título: Política equivocada de Bush ajudou expansão nuclear de Kim
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2005, Internacional, p. A14

Existe um país sobre o qual o governo Bush não quer pensar: Coréia do Norte. O país é o fracasso mais perigoso da atual política exterior americana. O presidente Bush tem sido alarmantemente passivo enquanto a Coréia do Norte começa a produzir armas nucleares como pão quente. Os perigos foram ressaltados nas notícias da semana passada de que o urânio do ex-programa nuclear da Líbia pode ter vindo da Coréia do Norte. De fato, Bush parece reconhecer que sua política fracassou - e é por isso que não está falando muito sobre a Coréia do Norte, ao menos publicamente, e porque (como revelado no The New York Times terça-feira) na semana passada ele enviou um emissário para falar com o líder chinês, Hu Jintao, sobre como domesticar a Coréia do Norte.

É particularmente estranho para Bush discutir publicamente a Coréia do Norte porque, pelo que se sabe, o país não fez uma única arma nuclear durante os oito anos em que Bill Clinton esteve no poder (embora tenha dado início a caminho separado e secreto para produzir armas de urânio). Em contraposição, o governo agora reconhece que a Coréia do Norte extraiu plutônio suficiente nos últimos dois anos para produzir cerca de meia dúzia de armas nucleares.

Para ser franco, Bush está paralisado porque as opções são péssimas. Um ataque militar às instalações nucleares da Coréia do Norte poderia ter sido uma opção no início da década de 1990, mas hoje não sabemos onde o plutônio e o urânio estão armazenados, portanto uma investida militar talvez consiga pouco - além de desencadear uma nova guerra com a Coréia. Para preencher o tempo, Bush tem procurado realizar conversações multilaterais sobre a Coréia do Norte, mas não se chegou a lugar nenhum.

Então, o que poderia funcionar? Uma opção é o caminho que Richard Nixon escolheu com a China maoísta. Seria um compromisso resoluto com Pyongyang, conduzindo para uma "grande barganha" na qual Kim Jong-il abriria mão de seu programa nuclear em troca de laços políticos e econômicos com a comunidade internacional.

Isso tem a vantagem de que a melhor aposta para derrubar Kim, o Querido Líder, não é o isolamento, mas o contato com o mundo exterior.

Um fantástico novo livro sobre a Coréia do Norte, Under the Loving Care of the Fatherly Leader (Sob os Cuidados Amorosos do Líder Paternal) de autoria de Bradley Martin, demonstra como aqueles poucos vislumbres que os norte-coreanos tiveram do mundo exterior - trabalhando em madeireiras na Rússia ou fazendo viagens furtivas à China - têm ajudado a minar o regime de Kim. Porém os ocidentais na realidade têm cooperado com ele, ajudando-o a manter suas fronteiras lacradas.

A China e a Coréia do Sul ao menos têm uma estratégia para mudar a Coréia do Norte: incentivar o capitalismo, mercados e investimentos externos. Comerciantes chineses, telefones celulares e rádios já estão espalhados nas áreas de fronteira e estão fazendo mais para enfraquecer o Querido Líder que qualquer coisa que Bush esteja fazendo.

A Coréia do Norte é o país mais soturno e totalitário que já visitei. Em comparação com ela até o Iraque de Saddam Hussein parece normal.

Dei-me conta de como o país inteiro é arregimentado quando escolhi duas garotas a esmo na rua para uma entrevista numa viagem de 1989. Elas começaram a elogiar seus líderes recitando frases idênticas, num uníssono perfeito.

Em seu novo livro, Martin conta a história de um assessor do Querido Líder que, bêbado, contou à mulher sobre as amantes do chefe. A mulher, aparentemente uma crente verdadeira no sistema norte-coreano, ficou escandalizada e escreveu uma carta à cúpula do governo protestando contra a imoralidade.

O Querido Líder fez com que a mulher fosse levada até ele, acusou-a perante uma multidão e ordenou que fosse morta a tiros. O marido implorou que fosse ele o autor dos disparos. Acedendo gentilmente, Kim lhe entregou uma arma para que matasse a própria esposa.

Portanto, esse é um regime não apenas ameaçador, mas também monstruoso. Bush está certo em considerá-lo com relutância. Mas a política americana em relação à Coréia do Norte nos últimos quatro anos só serviu para fortalecer Kim e permitir que ele multiplicasse seu arsenal nuclear muitas vezes.

O risco é que Bush reaja ao fracasso da política do seu primeiro mandato adotando uma linha mais dura nos próximos meses, buscando sanções do Conselho de Segurança (que não vai conseguir) e por último, impondo algum tipo de quarentena naval (bloqueio naval em torno da costa de um país). Isso serviria apenas para fortalecer o domínio de Kim, assim como levar ao risco de irrupção de uma guerra na península coreana. Um estudo feito pelo Pentágono na década de 1990 previu que tal guerra poderia matar 1 milhão de pessoas.

Em resumo, nossa maneira desastrada de tratar a Coréia do Norte tem sido estarrecedora - e logo poderá piorar.

* Nicholas D. Kristof é colunista do 'New York Times'