Título: Migração de fábricas
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2005, Economia, p. B2

Quando foi aprovada na França, em 1998, a jornada de trabalho de 35 horas foi festejada como conquista dos trabalhadores. Hoje, pouco mais de quatro anos depois de ter entrado em vigor, continua renhidamente defendida pelos sindicatos, mas começa a ser vista por empresários e pelos políticos mais como um tiro no pé do que como uma conquista. Quarta-feira, a Assembléia Nacional da França aprovou projeto de lei que autoriza o setor privado a estender a carga de trabalho de 35 para até 48 horas semanais. Não foi revogada a lei das 35 horas; apenas foi admitida a primeira "flexibilização" do limite.

Por toda a França a decisão vai levantando ondas de protestos liderados por sindicalistas que nela vêem apenas retrocesso. Mas nenhum sindicalista vem conseguindo responder à questão de fundo que está relacionada com o sumiço do emprego.

A jornada das 35 horas foi instituída durante a administração socialista de Lionel Jospin para combater o desemprego: à medida que o trabalhador não pudesse trabalhar mais do que 35 horas por semana, não sobraria saída para o empregador senão contratar mais pessoal. Mas a prática demonstrou que a teoria é outra.

É rara a semana em que fábricas inteiras não param de operar na França ou, então, que algum conselho de grande empresa não anuncie decisão de investir em países vizinhos, e não na França, onde o desemprego se mantém à altura dos 10% da força de trabalho.

Problemas idênticos estão ocorrendo na Alemanha onde também vigora o regime das 35 horas. Em julho do ano passado, a Siemens e a Mercedes-Benz arrancaram dos seus trabalhadores acordos para a volta ao regime das 40 horas sem compensação salarial. E, a partir daí, o efeito demonstração se encarregou de impor nova dose de realismo às relações de trabalho.

Durante anos, os sindicatos fustigaram a "concorrência desleal" dos trabalhadores estrangeiros e apoiaram leis mais rigorosas que restringissem a imigração. E, no entanto, agora são as fábricas que estão migrando para onde a mão-de-obra é mais barata, especialmente para o Leste Europeu (antigo bloco socialista, como Polônia, Hungria, República Checa, Lituânia e Letônia).

Esta é também conseqüência da globalização e do emprego intensivo da tecnologia da informação. As fábricas desfrutam hoje de uma mobilidade que jamais tiveram. Divisões inteiras podem ser transferidas de um hemisfério a outro: da Pensilvânia para a China; do Vale do Ruhr para a Anatólia.

Na Antiguidade, depois que o homem domou os animais, um povo atrás do outro foi obrigado a migrar de um continente para outro, em busca de pastagens para seus rebanhos. A fome e as guerras religiosas promoveram deslocamentos de colonos, do Velho Mundo para as Américas. Com a Revolução Industrial, foi a vez da migração dos camponeses em direção aos empregos urbanos. Agora, são as fábricas que se deslocam não mais para onde haja abundância de matérias-primas (porque o barateamento dos transportes mudou o resultado dos cálculos de custo-benefício), mas para onde a mão-de-obra é mais abundante, mais instruída e mais barata.

Se pode produzir confecções ou aparelhos eletrônicos na China, onde os salários são uma fração dos pagos na Europa, por que uma multinacional teimaria em operar na Alemanha?

Essas transformações estão criando enormes problemas novos. O desemprego e a contenção dos salários vão cortando as contribuições para os sistemas sociais dos países ricos, o que inviabiliza os planos de pensão e aposentadoria. E mudam o perfil dos sindicatos. Até recentemente, eram a vanguarda revolucionária. Hoje, vêem na transferência de fábricas e na abertura comercial uma ameaça aos padrões de consumo e de bem-estar dos seus associados. Por isso vão se tornando mais conservadores e mais protecionistas.