Título: Com a ajuda do governo Bush
Autor: Marcos Sá Corrêa
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2005, Vida, p. A11

O indiano Subhankar Banerjee ganhou recentemente nove páginas na revista americana Outdoor Photographer. Nada mal, para quem acaba de fazer seu primeiro trabalho sério com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça. Mas é preciso reconhecer que a sua não era, desde o começo, uma idéia do tamanho das outras. E que a política ambiental do governo George Bush lhe deu um empurrão involuntário para a celebridade, transformando-o numa peça de resistência da campanha contra a exploração de petróleo nas reservas de vida selvagem do Alasca. Não é preciso ter queda particular pela fotografia de natureza para reconhecer em Banerjee o personagem de uma espantosa história. E é por isso que ele está aqui. Banerjee é engenheiro. Nasceu em Calcutá, mas desde 1990 vive nos EUA, trabalhando com computadores. Primeiro, contratado pelo Los Alamos National Laboratory no Novo México. Depois, em Seattle, no Estado de Washington, levado pela Boeing. E agora para ninguém. Em 2001, ele resolveu, por conta própria, "largar a ciência para trás" e, sem ter ainda publicado uma só imagem em jornal de bairro, investiu tudo o que tinha num livro sobre o Arctic National Wildlife Refuge, no extremo norte do Alasca.

Ele tinha na ocasião 36 anos, nenhum patrocínio e US$ 150 mil para gastar, raspando a poupança e os fundos da aposentadoria, e mais US$ 100 mil levantados em banco. E se meteu durante dois anos, com um guia nativo, numa das regiões mais ermas da Terra. Como se tivesse saído de uma novela de Jack London, conta o repórter Jeff Wignall na Outdoor Photographer. Ele viajou quase 7 mil quilômetros no gelo, enfrentando temperaturas de 40 graus negativos e tempestades capazes de prendê-lo na barraca durante um mês seguido.

A viagem durava do começo do outono ao fim da primavera. No inverno ártico, por falta de luz solar, ele voltava para casa. E foi na pausa de dezembro, que encontrou um editor interessado em bancar seu livro e recebeu convite para expor as fotografias na galeria do Smithsonian, em Washington, D.C. Mal tinha dado o primeiro passo para a fama, Banerjee foi lançado no meio de uma briga no Senado americano sobre a abertura do Alasca às petroleiras. Gale Norton, secretário do Interior de Bush, chamava o Arctic National Wildlife Refugee de "deserto branco". Mas a senadora Bárbara Boxer sacou em plenário as fotografias de Banerjee para mostrar o lugar como de fato ele é. A prospecção acabou proibida na reserva, por 52 as 48 votos, enquanto o indiano andava pelo Alasca.

Só na volta o ilustre desconhecido Banerjee soube que o governo Bush tinha contas a acertar com ele. O curador do Smithsonian alegou que havia pressões políticas contra a mostra e, para não cancelá-la, pretendia transferi-la para um canto do porão. Vieram as cartas para a editora, mandando tirar das futuras edições do livro qualquer menção ao instituto. Enfim, como costuma acontecer com as intrigas na democracia americana, os problemas da exposição chegaram à imprensa.

O jornal The Washington Post fez cinco reportagens sobre o caso. A revista Vanity Fair publicou seu perfil. E as fotografias que o Smithsonian tentou esconder passaram a correr os EUA em circuitos alternativos. Quem ainda se espanta com isso tudo é o próprio Banerjee, que jamais pensou em política. Suas intenções, ele garante, eram puramente artísticas. Quem quiser conferir, pode encontrá-lo no endereço www.wwbphoto.com, sob uma citação de Gandhi que diz: "A terra tem o bastante para as necessidades de todos, mas não para a avareza de poucos".

*Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco

(www.oeco.com.br)