Título: É pegar ou largar
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2005, Economia, p. B2

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, já admite que o governo está interessado na renovação do acordo com o Fundo Monetário Internacional que expira em março. Até agora dizia que um nadador só tira o agasalho quando se prepara para mergulhar na piscina e não antes: "Não tomamos decisões antes da hora. Em março, veremos." Mas o secretário do Tesouro Federal, Joaquim Levy, foi despachado para Washington para conversações. Convém conferir o que está em jogo.

O Fundo existe para dar proteção. Se um país membro está em crise e vai sangrando nas reservas, pode pedir ajuda. Quase sempre, a crise se caracteriza pela fuga de capitais. E essa fuga só acontece porque o credor (detentor de títulos de dívida pública) desconfia de que as finanças do País estão tão baqueadas que há forte risco de suspensão do pagamento. Daí, a rejeição dos títulos públicos no mercado e a procura de refúgio (dólares e ouro).

O Fundo empresta os recursos desde que o país socorrido cumpra uma política orçamentária austera que não só o tire da crise, mas torne a dívida sustentável a longo prazo. Por isso, as finanças públicas são submetidas a auditorias trimestrais que conferem o grau de cumprimento das políticas com que o país está comprometido.

Em princípio, o Brasil tem pelo menos quatro razões para não precisar nem do dinheiro nem da tutela do Fundo Monetário Internacional.

A primeira delas é a de que os fundamentos da economia melhoraram substancialmente e já não apontam para os mesmos riscos de naufrágio que prevaleciam em setembro de 2002, quando saiu o pacote de US$ 26,2 bilhões.

A segunda razão está no fato de que o Banco Central do Brasil está reforçando suas reservas por iniciativa própria. Dentro de mais alguns dias terá juntado pelo menos um terço desses US$ 26,2 bilhões emprestados pelo Fundo, apenas com compras de moeda estrangeira no câmbio interno.

Terceira razão, não há ameaça de que ocorra sério abalo internacional capaz de derrubar a economia brasileira a ponto de exigir nova blindagem.

E, finalmente, poder dispensar as inspetorias do Fundo e alardear essa condição para o mundo somaria pontos para a administração Lula. Talvez se possa acrescentar mais uma razão: a de que o presidente Lula gostaria de estar livre para executar sua política social sem ter de dar satisfações aos burocratas do Fundo.

No outro prato da balança, há pelo menos um bom motivo técnico que sugere a renovação do acordo. É o de que o dinheiro do Fundo é relativamente barato. Ter à disposição recursos que possam ser usados numa emergência não é só confortável; é também uma boa forma de passar confiança aos investidores.

Mas isso não é tudo e pode não ser o principal porque há pelo menos duas razões políticas que podem estar empurrando para a renovação.

A primeira é a de que já que tem mesmo de continuar com sua política de austeridade, é melhor para o governo Lula executá-la com um bom cacife do que sem ele. E a segunda é a de que, à medida que forem esquentando tanto o clima eleitoral como as pressões dos políticos por mais gastança, o governo Lula poderá alegar que não pode aceitar esse jogo porque tem de dar satisfação ao Fundo.

De todo modo, esta seria a primeira vez que o Brasil estaria recorrendo aos empréstimos do Fundo (e se comprometendo com suas exigências) sem ter necessidade deles.

Paradoxalmente, isso vai acontecendo no governo PT que historicamente execrou o Fundo como instrumento neocolonialista cuja função é impor ao resto do mundo as regras do neoliberalismo americano.