Título: Bush surpreende e G-7 dá em nada
Autor: Alberto Tamer
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2005, Economia, p. B6

Para o Brasil, que passou os últimos dias na alegria do samba e do carnaval, o fato mais importante não foi a reunião do G-7 em Londres, mas a decisão do presidente George W. Bush de incluir no orçamento um corte substancial nos US$ 16 bilhões de subsídios que o governo dá aos agricultores americanos. Isso abre novas perspectivas, agora sim válidas, não meros sonhos ou promessas, que podem pressionar a União Européia a seguir o mesmo caminho. O resultado seria beneficiar não só os países agroexportadores, mas os próprios consumidores, que passarão a pagar preços menores por produtos de igual e até maior qualidade. Bush tem três argumentos perfeitamente válidos: reduzir o déficit fiscal; tornar mais competitiva sua agricultura; e reduzir os custos internos de produtos fortemente protegidos, como açúcar, suco de laranja, laticínios e fumo. São exatamente os produtos que mais exportamos para os EUA. Como lembra o correspondente do Estado em Washington, Paulo Sotero, Bush encontrará pela frente o fortíssimo lobby dos produtores, mas, como está no seu segundo e último mandato, é possível que, desta vez, sobre alguma coisa de suas intenções.

PODE DAR CERTO

Pode até ser que tudo dê em nada nas próximas negociações na OMC, pois, afinal, 10% dos agricultores ricos que abocanham 60% dos US$ 16 bilhões de subsídios agrícolas do governo têm um poderoso baluarte parlamentar no Congresso americano. Certo, não dá para sonhar, mas é um novo incentivo para aumentar a luta contra forças agora divididas. É só nossos negociadores agirem com sabedoria e aproveitarem os resultados que certamente virão do choque entre os EUA e a União Européia. Pode sobrar para nós muito mais do que migalhas.

NÃO CEDEM

Deu no que se esperava que desse. Em nada. Como tínhamos adiantado nesta coluna, a China, que não faz parte oficial do G-7 ( EUA, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha, França, Canadá e Itália), disse não a qualquer desvalorização, agora, do yuan. Vai acumulando em média US$ 100 bilhões de reservas por trimestre, advindas basicamente das exportações favorecidas pela cotação de sua moeda, atrelada ao dólar, e comprando títulos do Tesouro americano. Os EUA, mais sutilmente, também disseram não a qualquer interferência para valorizar o dólar. Os países da Eurozona (só a Grã-Bretanha está fora) permanecem envoltos em contradições internas e foram à reunião com as mãos amarradas pelo Banco Central Europeu. E o Brasil, representado pelo ministro Antonio Palocci, convidado a participar de um café da manhã com os integrantes do G-8, ao lado da Índia, da Austrália e da África do Sul, nada mais podia fazer além de demonstrar que nossa economia está melhorando. Acabou a fase de medo surgido com a ascensão de Lula. É um governo menos ameaçador e mais confiável. Mesmo assim, disse Palocci, somos ainda muito dependentes do mercado externo. Todos concordaram que o cenário nos últimos dois anos melhorou. Mas isso os ministros do G-7 já sabiam.

O encontro de Palocci com o diretor-gerente do FMI, aventando a possibilidade de renovar o acordo com a instituição, poderia ter se realizado em qualquer outro momento ou lugar. Não precisava ser em Londres. Ninguém duvida que o Brasil é o maior interessado em renovar o acordo que coloca à disposição recursos dos quais ainda nem sequer utilizou, pois isso dá um aval à seriedade com que vem cumprindo não as "regras" do Fundo, mas da mais restrita ortodoxia econômica. Palocci e Henrique Meirelles voltaram de Londres com a impressão de que até agora vai tudo bem, mas há ainda muito a fazer.

O PERDÃO PARA A ÁFRICA

E a decisão de perdoar 100% da dívida dos países africanos, proposta pela Grã-Bretanha, tema que dominou 80% dos dois dias de reunião? Ah! Este é um assunto cheio de armadilhas. 1 - Não houve acordo nenhum, mas apenas a intenção de perdoar a dívida. Os EUA e o Japão não aprovaram e prevaleceu acertadamente a posição da Alemanha de "analisar caso a caso". E se lembrarmos tudo o que já se prometeu para combater a pobreza em reuniões anteriores de todos os tipos, a promessa deverá ficar nisso. Promessa. Por quê? 2 - A trágica miséria africana não decorre só do abandono a que o mundo a levou, ao clima, mas ao predomínio de selvagens ditaduras hereditárias, geralmente militares, ao verdadeiro genocídio, a mortes em massas de civis pobres, inclusive crianças, amedrontados e indefesos diante da fúria de lutas religiosas ou tribais. Os ditadores e sua máquina apoderam-se do dinheiro ou dos alimentos doados, roubam e vendem tudo (até preventivos contra a aids endêmica!) e enriquecem enquanto jogam o povo no poço do atraso, da fome endêmica e da miséria total. É isso.

A CORRUPÇÃO

Ontem, os EUA suspenderam a ajuda ao Quênia, uma das principais economias africanas, porque o governo do presidente Mwai Kibaki "não está colaborando no combate à corrupção", afirma o embaixador americano, William Belamy. O seu colega britânico, Edward Clay, é menos diplomático: "Está havendo um saque maciço aos cofres públicos. A corrupção está na raiz do governo e vem crescendo." E, vejam bem!, os dois acrescentam que a corrupção é de tal forma que abrange "os US$ 7 milhões destinados a combater a corrupção". Esse e outros pagamentos foram suspensos ontem. Os corruptos africanos não poderão mais corromper o dinheiro doado para lutar contra a corrupção...