Título: Portela fica em 13.º e ainda assim comemora
Autor: Luciana Nunes LealBeatriz Coelho Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2005, Cidades, p. C3

Foram quase duas horas de sofrimento, na quadra e na casa da festeira Surica RIO - Na entrada da casa de Tia Surica, a mais festeira das integrantes da velha-guarda da Portela, uma placa de madeira avisa: "Cafofo da Surica, uma casa portelense." Foi lá, no subúrbio de Madureira, quase ao lado da quadra, que ela reuniu os amigos para acompanhar a apuração pela TV. Foram quase duas horas de sofrimento. No fim, livres do rebaixamento, os portelenses comemoraram cantando o hino da escola: "Portela querida/És tudo na vida para mim." Haviam terminado em 13.º, o penúltimo lugar. Depois do alívio, foi a vez do choro. "O que aconteceu foi a combinação do demônio com o Coisa Ruim. A Portela não merece isso, foi boicotada, não acontece tanto azar com uma escola só", desabafou, aos prantos, a cantora Teresa Cristina. "Até o nosso som tiraram no desfile. Mas não descemos e isso era o que me preocupava", confessou Surica, abraçada com a sobrinha Luzinete das Neves.

Na memória de todos, ainda estava o desastroso desfile da Portela, quando, pela primeira vez, a velha-guarda foi impedida de desfilar, após um problema no carro alegórico. A sucessão de acidentes havia começado no sábado, com o incêndio que destruiu parte do abre-alas.

No início da apuração, os portelenses ainda sorriam, comemoraram o 9,6 em harmonia e um 10 em bateria. No quesito enredo, quando as notas começaram a cair, o nervosismo tomou conta da turma, mas ninguém perdeu o otimismo. A certa altura, Portela e Tradição - uma dissidência da azul e branca que os portelenses só chamam de Traição - disputavam o último lugar. Uma nota 8,4 em alegorias e adereços deixou a turma de Tia Surica ainda mais apreensiva. Até que veio um 9,4, muito comemorado. "A que ponto nós chegamos", lamentava um dos torcedores.

Aos poucos, a Tradição foi ficando para trás e os portelenses passaram a respirar mais aliviados, embora soubessem que dificilmente escapariam no penúltimo lugar. Na quadra da Portela, dezenas de pessoas assistiram à apuração. Dodô, de 85 anos, primeira porta-bandeira, preferiu ficar longe da televisão. No fim, dizia que maus desfiles podem acontecer com qualquer escola. Levou susto com a idéia de ser rebaixada, Dodô? A veterana não fez por menos: "E eu sou lá mulher de levar susto, minha filha?"

PORTÃO FECHADO

Os integrantes da velha-guarda estão divididos sobre a decisão do presidente da escola, Nilo Figueiredo, de fechar os portões e impedir o grupo de desfilar. O compositor Monarco declara sua mágoa e pede mudanças na agremiação. Surica, porém, diz que a decisão, embora difícil de aceitar, foi acertada.

A pastora Áurea, filha de Manacéa, um dos mais importantes compositores da Portela, já morto, acha que é preciso passar o fim de semana para ver que decisão tomar. A mãe dela, Neném, de 80 anos, ficou no alto do carro quebrado e nem sequer passou com seus companheiros após o desfile. "Ela chorou muito e até agora está magoada", contou Áurea.

Dona Neném assistiu à apuração em casa, em Madureira, ao lado dos filhos, sobrinhos, netos e alguns amigos. "Se Deus me der vida e saúde, ano que vem estou na avenida", disse ela. Apesar da tristeza com o desfile, Monarco também pensa na volta por cima. "Agora é hora de descansar, acalmar e ver o que podemos fazer pela nossa Portela."