Título: Os fundos da Petrobrás
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2005, Notas e Infromações, p. A3

A cada dois anos, em média, a Petrobrás apura novos e gigantescos déficits relativos a obrigações futuras com o fundo de pensão de seus funcionários, algo inadmissível na maior empresa aberta brasileira, com atuação internacional e papéis negociados nos mercados globais. Como a estatal admitiu em fato relevante publicado no dia 4, o novo rombo perfaz R$ 13,3 bilhões, dos quais R$ 8,29 bilhões com o fundo de pensão Petros e R$ 5,01 bilhões com o plano de saúde do pessoal.

Ao contrário do que disse o presidente do Petros, Wagner Pinheiro, não "é tudo uma questão de negociação da patrocinadora com os funcionários e os aposentados". Faltou acrescentar a essa equação os contribuintes, pois, se a empresa não puder cobrir o rombo e manter seu plano de investimentos, caberá à União, como acionista majoritária, socorrer a Petrobrás.

Tanto no caso do fundo de pensão como no do plano de saúde, a empresa assumiu o ônus, agindo com liberalidade afrontosa para padrões esperados numa companhia aberta.

Não é incomum a "descoberta" de desequilíbrios atuariais em fundos de pensão com planos de benefício definido, que asseguram aos inativos um porcentual - que varia entre 50% e 100% - do último salário. Os valores mudam com base nas revisões periódicas das tábuas de longevidade do IBGE. A expectativa de vida, que era de 67 anos pelo censo de 1998, passou a 71 anos, em 2004, o que aumenta as responsabilidades com aposentados que viverão mais. Para evitar o rombo atuarial - calculado pela projeção do valor presente dos compromissos -, as empresas abandonam os planos de benefício definido, substituindo-os por planos de contribuição definida, em que os participantes sabem quanto depositam, mas não o valor da aposentadoria, que dependerá do saldo acumulado. A Petrobrás, ao contrário, vem retardando, há anos, a substituição dos planos, sob pressão do pessoal que espera benesses. E a empresa tem sido pródiga, como ocorreu em 1996, quando os funcionários que não haviam aderido ao plano de aposentadoria puderam ingressar no fundo sem pagar as contribuições passadas, como mostrou a jornalista Suely Caldas (Estado, 5/2).

No plano de saúde, a generosidade da Petrobrás é ainda maior. Numa empresa privada, o funcionário que se aposenta passa a arcar com o plano. A Petrobrás, porém, não só mantém os benefícios, como os estende aos dependentes. Por isso, há 250 mil beneficiários, quase três vezes a soma do pessoal ativo e inativo da empresa. O custo é enorme: em média, R$ 565,00 mensais por funcionário, mais de dez vezes a média dos planos de empresas privadas. As despesas com planos de saúde estimadas em R$ 1,694 bilhão, neste ano, comparam-se ao faturamento anual de uma grande empresa do setor.

No total, as obrigações assumidas com o Petros e os planos assistenciais beneficiam apenas 52 mil aposentados e 39 mil trabalhadores ativos e perfazem, pelos cálculos oficiais, R$ 41 bilhões, mais de duas vezes o lucro da Petrobrás em 2003. A conta engordou com o comando do Petros por sindicalistas ligados ao PT.

Nos últimos sete anos, a Petrobrás apurou - e assumiu - quatro rombos no Petros. O impacto nos balanços não é imediato, mas significa transferências para o pessoal em detrimento dos acionistas, a começar da União, que usa os dividendos para reduzir o déficit público.

A Secretaria de Previdência Complementar informou que vai apenas "acompanhar as tratativas entre a empresa e os seus funcionários", mas seria oportuno que investigasse a fundo a gestão do Petros, com atenção aos relatórios dos atuários, pois rombos desse vulto - cerca de 40% do patrimônio do Petros - só se justificam após crises de mercado, o que não ocorreu. Para inflar as obrigações da Petrobrás, o Petros teria adotado prática semelhante à do Banco do Brasil, que, segundo se noticiou, de uma só vez elevou de 71 para 83 anos a expectativa de vida dos beneficiários.

A Petrobrás explica, no fato relevante, que atualizou as premissas atuariais e que "o progressivo aumento da longevidade das pessoas tem reflexos diretos sobre o volume dos compromissos e obrigações estimados e provisionados" com os planos. Isto é o óbvio. Falta indicar as premissas, pois aumentos de mais de dez anos na expectativa de vida, alterando radicalmente as contas, não ocorrem de uma hora para outra.