Título: Brasil insiste em pacto com vizinhos para abrir arquivos
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2005, Nacional, p. A6

Apesar da resistência dos militares, governo quer acordo com outros países e ONGs que ajudem no esclarecimento de crimes políticos e localização de corpos BRASÍLIA - Apesar das críticas dos militares brasileiros, o governo vai fechar um pacto com países vizinhos para esclarecimento de crimes políticos e localização dos corpos de desaparecidos nas ditaduras dos anos 60 a 80 na região. Uma espécie de Operação Condor ao avesso, o acordo inclui a troca de informações entre governos e as organizações não-governamentais (ONGs) de direitos humanos desses países e servirá de subsídio para os processos de indenização aos familiares das vítimas. À frente das negociações internacionais, o ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, informou ao Estado que estão adiantados os entendimentos nesse sentido com os governos dos demais países do Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai), mais Chile e Bolívia. "Não há como apagar a história, temos de ter serenidade para lidar com o nosso passado e reparar os erros", disse Nilmário. Ele acha que as críticas de integrantes das Forças Armadas são isoladas. "Os militares estão comprometidos com o projeto democrático do Brasil."

Os dirigentes da área de direitos humanos dos seis países acertaram uma agenda ao longo do ano para a construção do pacto. O ponto alto ocorrerá em maio, quando será inaugurado o Memorial do Desaparecido, na região da tríplice fronteira, na divisa entre Brasil, Paraguai e Argentina. Ainda em maio será realizada a primeira reunião de altas autoridades em direitos humanos dos países do Mercosul, mais Chile e Bolívia, para delinear os termos de um tratado internacional sobre o assunto, sob a chancela da Unesco, organismo das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

O pool de países também ajudará o Brasil na tarefa de abrir os arquivos do regime militar, idéia que mais desagrada a setores das Forças Armadas. A Argentina, com o Arquivo Nacional de la Memoria, inaugurado há 2 anos, e o Paraguai, com o Arquivo del Terror, aberto há quase 10 anos, estão à frente do Brasil nesse aspecto. Mas, segundo Nilmário, o governo federal tem dado passos significativos para se igualar à comunidade internacional.

EXPECTATIVA

Formada por ditaduras da Argentina, Paraguai, Chile e Uruguai, a partir de 1973, a Operação Condor foi uma ação conjunta dos agentes de segurança desses países para prender militantes da esquerda armada de todos eles, que se organizavam sem ligar para as fronteiras O Brasil não aceitou participar, num primeiro momento, mas teria ajudado mais tarde, e dezenas de adversários do regime militar foram presos nesses países e trazidos para as prisões brasileiras.

A legislação desses vizinhos possibilita o acesso a muitos documentos a respeito dessas operações. Há indícios de que vários militantes foram assassinados, sendo sete com colaboração argentina, um com ajuda boliviana e seis mediante informações do serviço secreto chileno, a Dina. O governo brasileiro espera agora, com a abertura dos arquivos e a cooperação internacional, encontrar evidências da forma como eles foram mortos e pistas para a localização dos corpos.

Entre as vítimas estaria Onofre Pinto, da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que teria sido atraído para o lado brasileiro por agentes da repressão argentina e fuzilado numa cilada, com outros seis guerrilheiros. Um dos fuzilados, Enrique Ernesto Ruggia, era argentino e seus familiares estão pedindo indenização ao governo brasileiro.

No fim do ano passado, o governo brasileiro assumiu a responsabilidade pela morte de dois militantes de esquerda argentinos seqüestrados no Brasil e entregues à ditadura argentina. Horácio Domingo Campiglia e Mônica Susana Pinus de Binstock foram presos em 12 de março de 1980, ao desembarcarem num vôo que vinha de Caracas. A seguir, foram entregues clandestinamente às autoridades argentinas e nunca mais vistos.