Título: Luzes da ribalta
Autor: Álvaro Dias
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/03/2005, Espaço Aberto, p. A2

"As convicções são piores inimigas da verdade que as mentiras"

Nietzsche

A polêmica surgida no âmbito das ações da gestão de Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo, agora focalizada na operação de crédito irregular para o Programa Nacional de Iluminação Pública (Reluz), é apenas uma pequena mostra do ímpeto petista de violar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O governo federal protagonizou o "espetáculo da tergiversação" no afã de transmitir aos formadores de opinião que a ex-prefeita agiu de boa-fé. Ora, não se trata de caracterizar a ausência de intenção dolosa ou de convencer que a sinceridade e a lisura nortearam seus procedimentos neste caso, muito menos de se escudar no douto parecer de sua Secretaria de Assuntos Jurídicos, que lhe asseverou estar agindo sob o amparo da lei. O que se impõe é um desfecho ético para o presente imbróglio, sem mencionar as medidas de caráter jurídico.

A maior aberração em curso foi a edição da Medida Provisória 237, em 27 de janeiro passado, que abrigou dispositivos para revestir de legalidade o contrato aditivo assinado na esfera do programa Reluz e blindar a ex-prefeita pelo descumprimento da LRF. Aliás, registro o meu desencanto com a atuação da ministra Dilma Roussef, responsável pela exposição de motivos da referida medida provisória.

O casuísmo da MP pró-Marta é flagrante. Aliás, a norma está eivada de vícios insanáveis. O fato de outras prefeituras, eventualmente, terem firmado contratos irregulares com o programa Reluz não minimiza a gravidade dos atos praticados pela sra. Marta Suplicy à frente da administração da cidade de São Paulo.

O histórico de violação da LRF na gestão petista tem precedentes marcantes. Em dezembro de 2003, manifestei em plenário o meu repúdio ao empréstimo contraído pela ex-prefeita junto o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para restaurar o centro de São Paulo. As razões para impugnar a concessão de um empréstimo no valor de US$ 100,4 milhões eram inúmeras e o argumento mais consistente, feito à época, era o fato de São Paulo ostentar o mais elevado índice de comprometimento da receita com a sua dívida pública. A dívida do Município de São Paulo correspondia a 240% da sua receita.

Ademais, fui relator da LRF exatamente por entender a importância de se conter esse processo escabroso, que levou o Brasil à condição de país subdesenvolvido, imerso em situação pré-falimentar. A responsabilidade do Senado na análise do endividamento público, centrada na avaliação da capacidade de endividamento de cada ente federativo, não pode ser negligenciada, muito menos barganhada.

Procurei sempre assinalar a minha visão de que a dívida pública brasileira (conjugada à corrupção) é a causa maior da crise econômica e das elevadas taxas de juros que corroem as esperanças do setor produtivo.

Tenho-me pronunciado de forma sistemática sobre o fato de o governo Lula ter desperdiçado uma conjuntura internacional que viveu momentos de grande liquidez global. A probabilidade de uma mudança nas condições de liquidez abundante cresce a cada dia.

Os analistas do banco de investimento Morgan Stanley alertaram, em relatório, que o Brasil é o país mais suscetível na América Latina a uma correção, caso ocorra uma reversão nos fluxos estrangeiros. O banco alemão Deutsche rebaixou a recomendação para os títulos da dívida externa brasileira, citando o risco de novas derrotas do governo em votações no Congresso. É o primeiro grande banco estrangeiro a mencionar o quadro político para sustentar uma piora na sua avaliação sobre os papéis da nossa dívida.

A recente decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central de aumentar em 0,5 ponto porcentual a taxa básica de juros - a Selic - para 19,25% ao ano elevou os juros reais ao patamar de 12,7%, quase o dobro da Turquia (6,7%), a segunda colocada no ranking mundial.

Num cenário de volatilidade crescente, o Brasil superou as Filipinas e assumiu o quinto pior risco entre os países emergentes. Nesse contexto, Colômbia, Panamá e Turquia têm risco menor que o Brasil.

Os episódios recorrentes e inovadores para burlar a LRF, o auxílio luxuoso da pirotecnia publicitária e dos fartos recursos do bornal do tesoureiro petista, somados à receita ultra-ortodoxa adotada com requinte pelo ministro Palocci, nos impõem severa vigilância dos rumos do governo Lula.

A fileira de refletores colocados estrategicamente ao nível do piso palaciano já não consegue iluminar o espaço cenográfico do Planalto. A ribalta encontra-se em desuso. Os truques da cenografia petista são cada vez mais necessários e requisitados.

Álvaro Dias, senador (PR),

é vice-presidente

nacional do PSDB