Título: 'Não é Lula quem vai dirigir os meus destinos', diz Severino
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/03/2005, Nacional, p. A7

Presidente da Câmara, barrado na reforma ministerial, afirma que não segue orientações do Planalto Expedito Filho BRASÍLIA "Não é o presidente quem vai dirigir os meus destinos", contra-atacou ontem o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), dois dias depois de abalar as relações entre Legislativo e Executivo e provocar a suspensão da reforma ministerial que estava para ser anunciada. A reação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não o intimidou e ele voltou a falar duro ontem, numa entrevista exclusiva ao Estado: "Eu não tenho disposição alguma para fazer o que o Planalto quer. Ninguém vai me tutelar", desabafou.

Passada a primeira refrega, Severino advertiu que não se submeterá à mediação do Colégio de Líderes, grupo que reúne as lideranças dos partidos da base e da oposição para definir o que vai entrar na pauta de votação da Câmara. Para começar, bancou uma aposta: se o governo não alterar a Medida Provisória 232, que aumenta impostos, a Câmara vai derrubá-la. "Se precisar do voto de Minerva, eu voto contra", bradou.

No horizonte do deputado de João Alfredo (PE), o presidente Lula deveria agradecer a ele pela ajuda que deu durante a reforma ministerial. Ele entendeu que sua ameaça de ir para oposição, no caso de o PP não receber um ministério, serviu como solução para Lula se desvencilhar do desgaste de uma reforma que desandava. "Ele vai ficar me devendo muito. Eu fiz um grande favor ao presidente", ironizou.

Numa confissão involuntária, Severino contou que insistia na nomeação do deputado Ciro Nogueira PP-PI) para o Ministério porque achava que ela contribuiria para ampliar a sua própria votação. "Com a eleição de Ciro (indicação para o Ministério) a população de Pernambuco iria me dar uma maior votação pelo seu valor, pelo trabalho que ele iria prestar no Ministério", disse.

Severino disse ainda que seu eleitor apóia a defesa do nepotismo, do aumento da verba de gabinete para deputados, entre outros privilégios. Por fim, acusou o presidente do Senado, Renan Calheiros, de esconder da sociedade os ganhos reais dos senadores. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Por que o senhor insistiu tanto na indicação de Ciro Nogueira para o Ministério do governo Lula?

Com a eleição de Ciro (indicação para o Ministério), a população de Pernambuco iria me dar uma maior votação pelo seu valor, pelo trabalho que iria prestar no Ministério. Ele teria um reflexo em todo o Brasil porque sei da capacidade de Ciro Nogueira. Eu queria fazê-lo ministro para o bem do governo. O governo não quis e eu não vou ficar contrariado ou nervoso.

Mas o Sr. não disse que se ele não fosse indicado o seu partido, o PP, poderia ir para a oposição?

Poderia..., mas poderia não é poder. Foi condicionado a outros fatos, a outras causas que poderiam me levar a essa posição. Poderia, se futuramente o presidente cometer atos que não venham a aprovação pela sociedade. Nesse caso, nós passaremos para a oposição.

Com essa ameaça, o senhor não exagerou?

Eu voltaria a dizer de novo. Eu disse que poderia e volto a dizer de novo.

O senhor concorda com a avaliação de que sua intervenção ajudou o presidente Lula?

Ele vai ficar me devendo muito. Eu gostaria de ver essa colocação para eu cobrar do presidente porque, então, eu fiz um grande favor ao presidente. Você acha que eu sou Jesus Cristo, que eu salvei a vida de Lula? Eu preciso ver essas avaliações.

O senhor teme a reação do presidente Lula?

Eu não temo a reação de ninguém. Sou um homem livre e independente e não temo a reação. Não dependo de ninguém. Não preciso de presidente, não preciso de governador. Eu tenho o meu mandato para ser exercido em toda a plenitude. Não é o presidente da República que vai dirigir os meus destinos.

E se vingar a articulação do governo para tutelá-lo via Colégio de Líderes?

Ninguém me tutela. Eu, como presidente da Casa, serei presidente. Ele pode reunir a liderança que quiser. Eu serei o presidente da Câmara e não cometerei nenhum desatino para que ele persiga a unanimidade da Casa.

Como o senhor vai fazer isso?

Botando as matérias para serem votadas. A ordem do dia, quem faz é o deputado Severino Cavalcanti, depois de ouvir as lideranças. Eu não tenho disposição alguma para fazer o que o Palácio do Planalto quer.

E quais vão ser as conseqüências disso?

Eu não tenho dúvida alguma de que a Medida Provisória 232 vai ser derrotada. Ou o governo cede para satisfazer a sociedade ou será derrotado. Inclusive, se eu tiver de votar, eu voto contra.

Como o senhor tem tanta certeza que a emenda será derrotada? O presidente da Câmara não deveria ser um magistrado e não votar?

Existe o voto de Minerva, em caso de empate. Se houver empate, eu votarei contra. Eu nunca vi um projeto ser tão repudiado pela população, como essa Medida Provisória 232. Basta citar, por exemplo, se um pequeno microempresário tiver uma multa de R$ 50 mil, não pode recorrer ao Conselho de Contribuinte, vai cair na malha. Isso é uma das coisa que faz com que essa MP seja repudiada por todos.

O senhor é, então, um presidente da Câmara atento aos clamores da sociedade?

Não tem dúvida. Estou aqui para atender aos clamores da sociedade.

Posso mostrar ao senhor um clamor da sociedade? Segundo a pesquisa Ibope-CNI, 79% dos eleitores são contrários ao aumento de salários dos deputados. Esse clamor não é forte o suficiente para fazê-lo parar de defender o aumento para deputados?

E o que é que eu fiz? Eu botei em votação?

Mas o senhor prometeu e aprovou o aumento da verba de gabinetes para os deputados?

A verba do gabinete não é do deputado, há um equívoco muito grande. A verba do gabinete é para fazer com que seus funcionários possam trabalhar e tenham um desempenho à altura. O deputado não ganhou absolutamente nada.

Mas o deputado que tem parentes em seu gabinete não vai acabar se beneficiando e aumentando a sua renda familiar?

É crime ser parente, filho, sobrinho, cunhado? Por ser parente ele está impedido se é capacitado e tem condições de trabalhar. Esse é um direito que o parlamentar tem para escolher quem é melhor para prestar o serviço a ele.

Isso não é nepotismo?

Eu não acho. Cada um tem que contratar serviço daqueles que podem dar maior desempenho. A prova é que estou há 40 anos como deputado e sempre sendo reconduzido com maior votação. Isso é uma prova evidente que a população está apoiando, isso não é nepotismo nenhum. Quem tem que me julgar é o eleitor. Ele sabe que o deputado Severino Cavalcanti cumpre com seu dever para com a sociedade. Outra prova é que na Câmara eu sou o único deputado que conseguiu ser reeleito durante 10 anos na Mesa Diretora da Casa.

Seu eleitor concorda com a defesa do aumento de salários para deputados?

Eu sou autêntico. Eu não mudo as minhas posições, não vivo a mercê dos ventos. Não sou do tipo que se o vento está para um lado e vai para outro.

Essa autenticidade não se encontra no Senado?

O Senado deveria abrir o leque. Os senadores têm mais vantagens que os deputados. Eu aqui mostro quanto o deputado ganha, quanto o deputado tem. Lá, no Senado, é tudo escondido.

O senhor está dizendo que o presidente do Senado, Renan Calheiros, não mostra quanto ganha um senador?

Ele não mostra os privilégios que os senadores têm. Eles têm mais vantagens do que os deputados. Se eu soubesse, eu lutaria para que o deputado ficasse igual ao senador.