Título: Alta do trigo chega ao consumidor
Autor: Jane Miklasevic
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/03/2005, Economia, p. B12

Os preços do trigo em grão tiveram alta acentuada nos últimos 25 dias, e esse aumento já começa a ser repassado aos preços da farinha de trigo. A indústria moageira diz que o repasse não será integral, mas deve se aproximar dos 20%. A tonelada do trigo nacional, que no início do mês era negociada a R$ 355 no Paraná, principal estado produtor, está cotada agora a R$ 470, aumento de 24%. Os preços internos acompanham a alta no mercado internacional, principalmente a do trigo da Argentina, de onde os moinhos brasileiros importam cerca de 50% do cereal que processam. Como a Argentina já vendeu boa parte do trigo colhido na última safra, não há mais pressão de oferta e os preços passaram a ser reajustados quase que diariamente.

A tonelada de trigo argentino, que estava em US$ 110 a tonelada em 10 de fevereiro, é cotada hoje a US$ 142 a tonelada, alta de 29%. No mercado internacional, os preços do trigo acompanharam a subida de outras commodities agrícolas. Fundos que haviam obtido bons resultados com ativos de bens duráveis passaram a especular com commodities agrícolas, puxando os preços para cima.

Nesta semana, o movimento acalmou um pouco, mas a avaliação é de que os preços do trigo não devem recuar muito nas bolsas americanas. Há incertezas quanto ao desenvolvimento da lavoura de trigo dos Estados Unidos por causa do clima e registro de quebra de produção de países como a Índia.

Além disso, após um aumento na produção mundial do cereal, a expectativa é de diminuição de plantio. Nos Estados Unidos, a projeção é de uma queda de 8% na produção de trigo soft. Produtores argentinos e brasileiros, segundo alguns analistas, também reduziram suas intenções de plantio neste ano, desestimulados pelos preços recebidos na venda de grande parte de suas safras e, no caso do Brasil, devido aos prejuízos sofridos com a estiagem nas lavouras de milho e soja.

FRETE

No mercado sul-americano, o preço do frete marítimo é outro fator de pressão sobre os preços do trigo. Com poucos navios disponíveis para o transporte de grãos, o preço do frete para levar trigo de Bahia Blanca, na Argentina, para o porto de Santos (SP) passou de US$ 19 por tonelada no início do mês para US$ 25/t, ou até US$ 27/t se houver urgência no carregamento.

Segundo Walter von Müllen Filho, da trading Serra Morena, para levar trigo argentino até os portos do Nordeste brasileiro ficou ainda mais caro: US$ 38/t, ante os US$ 27/t no final de fevereiro. 'Com a decisão de autorizar a importação de milho da Argentina, a situação ficará ainda mais difícil, pois não há navios', diz Müllen.

O governo autorizou a importação de milho transgênico da Argentina atendendo a um pedido da indústria de aves, que prevê dificuldades para conseguir ração após a quebra da safra nacional, provocada pela estiagem no Sul (ver notas). O milho compõe 70% da ração consumida pelos frangos. Para o diretorpresidente do Moinho Pacífico, Lawrence Pih, por causa dessa escassez, mais trigo deve ser usado na ração, o que é outro fator de pressão sobre os preços do cereal.

O executivo diz que a alta na cotação do trigo pegou a indústria moageira 'de calças curtas'. Os moinhos estavam evitando alongar demais seus estoques de trigo, pois havia grande oferta do cereal no mercado e não existia perspectiva de alta de preço a curto prazo. Além disso, o setor busca no Congresso a isenção de PIS/Cofins também para o trigo, um produto da cesta básica que ficou de fora do benefício. Segundo Lawrence Pih, a maioria dos moinhos tem trigo para moer até 15 de abril. A partir de então, terão de retomar as compras em maior volume, já pagando mais pela matéria-prima.

De acordo com o industrial, por causa dos aumentos do grão, em São Paulo os preços da farinha de trigo para panificação - hoje de R$ 44 a saca de 50 quilos - foram reajustados em 5%, mas devem sofrer novos ajustes nas próximas semanas. 'O trigo subiu 25%, mas o repasse à farinha deve se limitar a 20%', diz Pih. Segundo ele, há a promessa do governo paulista de isentar de ICMS a farinha de trigo e o pão produzidos no Estado, mas até agora o decreto não foi assinado. Esses produtos recolhem 7% do imposto.

Em fevereiro, quando o governador Geraldo Alckmin anunciou a decisão, a indústria estimava que a isenção do imposto reduziria o preço da farinha de trigo em 6% e o do pão em 2%. 'Ainda estamos aguardando o decreto do governador Alckmin', diz Pih.