Título: Carnaval na Câmara
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2005, Notas e Informações, p. A3

N os últimos dias, o que passa no Brasil por "ação política" deve ter superado algumas marcas históricas nos quesitos oportunismo, busca de vantagens pessoais e rematada indiferença pelo eleitor. É o caso de dizer que de há muito não se via tão poucos fazerem tanto em tão pouco tempo, sobre as atividades dos políticos em defesa de seus interesses - que, nas palavras de um irônico observador das folias planaltinas, às vezes se resumem a ter "um carro e uma secretária".

A referência, naturalmente, é às benesses ao alcance dos deputados que conseguem se aboletar na mesa diretora da casa das leis ou no comando de alguma das suas comissões permanentes. Esse frenético surto de atividade, às vésperas do carnaval, que apropriadamente incluiu conchavos sobre a formação de blocos, seguiu-se à deplorável iniciativa do deputado petista Virgílio Guimarães de se lançar candidato avulso à presidência da Câmara.

Uma saudável convenção estabelece que a distribuição dos cargos nas mesas das câmaras legislativas deve obedecer à proporção das bancadas parlamentares, cabendo à maior delas indicar o candidato a presidente, escolhido a cada dois anos. A bancada petista majoritária, como se sabe, apontou o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh para substituir o seu companheiro João Paulo Cunha.

Provando que também a mais orgânica das siglas abriga ambições insopitáveis - fomentando a anarquia parlamentar e acentuando a desmoralização do sistema partidário -, Guimarães decidiu competir com Greenhalgh. O que não só propiciou a brotação de autocandidaturas similares em outras bancadas, mas também incentivou outros políticos a disputar em faixa própria, ou mudando de legenda, as funções mais cobiçadas na cúpula da instituição.

A tal ponto que um ex-presidente da Casa, detentor de oito mandatos, primeiro pela Arena, depois pelo PFL, o notório Inocêncio Oliveira, bandeou-se para o PMDB porque o partido em que estava há 20 anos não apoiou a sua candidatura a primeiro-secretário da Câmara (e, eventualmente, a governador de Pernambuco, em 2006). Isso não obstante o fato de o PMDB já ter um "candidato legítimo", como se passou a dizer na Casa, para o mesmo cargo - o deputado Henrique Eduardo Alves. (No PFL, os postulantes são três.)

Somando-se ao "efeito Guimarães", entrou na avenida o ex-governador fluminense Anthony Garotinho, agora em temporada no PMDB, pelo qual pretende concorrer novamente ao Planalto, desta vez contra Lula. Um dos instigadores do rompimento da legenda com o governo, em 24 horas Garotinho ajudou a ampliar a bancada peemedebista de 77 para 85 deputados - apenas 5 a menos que a do PT. Outras adesões seriam esperadas. (Aliás, o ex-governador já anunciou que os seus votarão no petista avulso.)

Diante do risco de perder a posição que lhe dá o direito de presidir a comissão-chave da Câmara, a de Constituição e Justiça, o partido do governo tratou de se mexer. De um lado, procurando formar um bloco parlamentar com o PC do B (9 deputados). Ocorre que a sigla do ministro Aldo Rebelo já negocia a formação de outro bloco, reunindo PSB, PDT, PV e PPS, que seria a terceira maior força da Casa, com 70 integrantes. (Ao mesmo tempo, Lula busca reconquistar o apoio do "independente" PDT, já sem a presença inibidora de Leonel Brizola, e aumentar a sua bancada de 16 para 25 membros.)

De outro lado, o PT abriu a possibilidade de filiar à legenda deputados de outras agremiações. Desde a eleição o partido promoveu a maior e mais desavergonhada dança de cadeiras na história recente do Congresso, engordando com a robusta dieta da fisiologia não só a bancada do PL do vice José Alencar, como também a do sempre oferecido PTB, para montar um rolo compressor na Câmara. Mas guardou-se de inchar artificialmente a sua própria representação para preservar a identidade partidária. Ao que tudo indica, esse último véu estaria para ser tirado, marcando mais um triunfo das necessidades objetivas sobre as inclinações subjetivas nas decisões petistas.

Em todo caso, importa menos saber quem desfila de onde para onde - embora Inocêncio no PMDB e, em São Paulo, a dra. Havanir no PSDB sejam casos exemplares - do que a naturalidade com que se aceita o despudorado troca-troca, buscando-se apenas explicar a lógica dessa evolução - no sentido carnavalesco do termo, o único que se lhe aplica.