Título: FMI avalia o Brasil
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2005, Notas & informações, p. A3

O Brasil poderá aplicar mais dinheiro no combate à pobreza e noutros programas prioritários se o orçamento se tornar mais flexível. Isso dependerá tanto da continuação de reformas iniciadas há alguns anos quanto de uma nova mudança, politicamente difícil mas essencial para a boa gestão pública: a eliminação das vinculações orçamentárias e a contenção dos gastos obrigatórios. Este ponto de vista é agora reforçado, oportunamente, pela Diretoria Executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI). A rigidez das finanças públicas ainda é um assunto com pouco destaque no debate político brasileiro, mas é uma preocupação importante revelada pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e um dos temas abordados num recém-divulgado relatório do FMI. O documento é em geral positivo na avaliação da política econômica brasileira, mas chama a atenção, como era esperado, para importantes tarefas incompletas.

Esse documento resulta de um exame realizado periodicamente por técnicos do Fundo e submetido à Diretoria Executiva. O exame é baseado no artigo IV do convênio constitutivo do FMI. A regra vale para todos os países membros, estejam ou não executando um programa acordado com o Fundo. No relatório a respeito do Brasil, só um ponto pode causar alguma surpresa. Segundo o texto, houve discordância entre os diretores quanto à conveniência de se elevar a meta de superávit fiscal adotada pelo governo.

A meta em vigor é um excedente primário equivalente a 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB). A hipótese de um objetivo mais ambicioso foi mencionada, recentemente, pelo secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy. Em 2004, a meta foi elevada para 4,5%, mas não se mexeu, até agora, na deste ano.

Há um forte argumento a favor de um superávit primário ¿ o dinheiro que sobra antes do pagamento de juros ¿ mais alto. Quanto mais ambiciosa a meta, mais rápida será a redução da dívida pública, maior a credibilidade do governo e mais fácil a diminuição dos juros. Com a baixa dos juros, será menor a atração de capitais financeiros de curto prazo e menor a valorização do real, que encarece os produtos exportados e torna-os menos competitivos.

Outros diretores, no entanto, julgaram prudente a meta fiscal de 2005 e dos próximos anos, com espaço para gastos sociais e na infra-estrutura. O relatório menciona comentários favoráveis ao projeto piloto de seleção, realização e acompanhamento de investimentos públicos. Vários governos, incluído o brasileiro, têm defendido, há vários anos, que os critérios fiscais do FMI se tornem mais flexíveis para acomodar certos gastos econômica e socialmente importantes que vinham sendo podados nos programas de ajuste.

Chegou-se a um acordo, afinal, para um projeto piloto, que deve privilegiar certos investimentos com rápido retorno financeiro para o Tesouro. No lado crítico, o relatório traz, sem surpresa, advertências quanto à vulnerabilidade da economia brasileira. Apesar de importantes progressos neste e no governo anterior, o País continua vulnerável a turbulências financeiras internacionais, porque a dívida pública ainda é elevada.

Houve ganho de credibilidade nos últimos nos, segundo o relatório, mas ainda insuficiente para blindar o País contra problemas externos. Dessa constatação resulta, naturalmente, uma lista de recomendações políticas. A relação inclui a complementação da reforma tributária, simplificação das normas trabalhistas, para a redução da informalidade, maior estímulo à intermediação financeira, combate ao desequilíbrio da Previdência e a busca de maior flexibilidade no orçamento.

A avaliação da política monetária é altamente positiva e os resultados seriam melhores, segundo o documento, se o Banco Central operasse com autonomia. Os técnicos e dirigentes do FMI reconhecem que juros menores teriam efeitos positivos tanto para as contas públicas quanto para o câmbio, com o real mais desvalorizado.

Mas deixam claro, no conjunto da análise, que aprovam a política de metas de inflação e que o grande problema da gestão econômica permanece localizado na área fiscal. É uma avaliação realista, que o governo brasileiro, apesar de ter decidido não renovar seu acordo com o FMI, deve anotar como um conselho de amigo.