Título: São Paulo e os 'valores republicanos¿
Autor: Paulo Renato Souza
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2005, Espaço aberto, p. A2

Todos nós, brasileiros de São Paulo, esperamos que o governo federal pratique em relação ao Estado de São Paulo os chamados "valores republicanos", expressão que seus ministros repetem à saciedade e nem sempre praticam. O caso do financiamento do BNDES para a Linha 2 do Metrô de São Paulo constitui excelente oportunidade para que o presidente da República demonstre que não seremos discriminados por eventuais considerações político-partidárias ou eleitorais em relação ao governador Geraldo Alckmin. Este financiamento vem sendo discutido e negociado entre os funcionários do Metrô e da área econômica do Estado com os técnicos do BNDES, há dois anos. Graças às competências reunidas por todas as partes envolvidas, foi possível elaborar um projeto cuja excelência técnica não está em questão e que foi aprovado por todas as instâncias internas do banco. A engenharia financeira, por outro lado, utiliza os instrumentos mais modernos e seguros praticados pelas instituições de crédito no mundo todo, de forma a oferecer amplas garantias de que as futuras parcelas de reintegração do empréstimo serão pagas nos momentos oportunos.

A montagem da engenharia financeira demonstra cabalmente o espírito de cooperação e parceria que vem caracterizando a atuação dos técnicos do banco e do Estado de São Paulo na construção do presente projeto. O grande desafio era conceber uma operação que não viesse a ter impacto nos limites de endividamento do Estado e tampouco nos limites de crédito do banco para o setor público. Buscou-se a fórmula de debêntures a serem emitidas pelo Metrô, que é uma empresa pertencente ao Estado, mas não depende de aportes do Tesouro para suas operações correntes. O BNDES exigiu, como seria natural, garantias de outras entidades não dependentes do Tesouro para essas debêntures. A solução encontrada envolveu a Companhia Paulista de Parcerias através de garantia com base nos recebíveis dos contratos de privatização de rodovias do Estado de São Paulo, nas ações da Sabesp e outros ativos.

Além das considerações da operação em si, é oportuno lembrar que o BNDES se encontra em situação extremamente confortável do ponto de vista da disponibilidade de recursos para financiar investimentos no País. No ano passado, ante um orçamento de investimentos de R$ 45 bilhões, o banco comprometeu apenas R$ 40 bilhões. Neste ano de 2005, seu limite de recursos para investimentos soma R$ 60 bilhões, o que indica que dinheiro não é o problema para apoiar essa operação, que envolve apenas R$ 394 milhões. A tranqüila situação orçamentária do banco lhe tem permitido, inclusive, estender suas operações a outros países latino-americanos, pelo financiamento da exportação de serviços brasileiros. Essas modalidades, que tomam o nome de "buyer's credit", são interessantes para o País, pois financiam empresas brasileiras que vencem concorrências de obras e serviços lá fora ou exportam equipamentos. Não deixa de ser irônico, porém, que o BNDES esteja neste momento financiando a construção do Metrô de Caracas, na Venezuela. Nada contra essa operação, ao contrário. Ela apenas reforça o argumento em favor do financiamento da expansão do nosso Metrô em São Paulo.

No caso específico de São Paulo, há uma circunstância adicional que deve ser lembrada. Bancos de investimento de grande porte, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial, se financiam no mercado de capitais com a garantia dos países instituidores, pagando, portanto, juros sobre o capital tomado. Para obter recursos para seus empréstimos o BNDES se financia em grande medida com os recursos do Pasep, uma contribuição social sobre a folha de pagamentos das entidades estatais e paraestatais arrecadada pelo governo federal. O Estado de São Paulo recolhe de Pasep ao governo federal cerca de R$ 800 milhões ao ano, considerando apenas a sua administração direta e os órgãos de sua administração indireta e sem contar a contribuição de seus municípios. Desse total, 40%, ou seja R$ 320 milhões são repassados a fundo perdido para o BNDES. O desembolso com o projeto do Metrô neste ano seria de apenas R$ 240 milhões, que será transferido para o Estado não a fundo perdido, mas sob a forma de financiamento sobre o qual incidirão juros e correção monetária.

Durante quatro anos exerci o cargo de gerente de Operações do BID em Washington, responsável pela aprovação das operações de empréstimo para projetos de investimento em toda a América Latina. No caso dos projetos para o Brasil, tive a oportunidade, por exemplo, de definir e aprovar os projetos de despoluição do Rio Tietê e o dos trens metropolitanos de São Paulo. Tenho, portanto, experiência direta nessa área e, por tudo o que tenho acompanhado, sei que o projeto do Metrô está mais do que maduro para aprovação por um banco de investimentos público, como é o caso do BNDES.

Após dois anos de negociações, superadas todas as dúvidas técnicas e financeiras, a operação estava pronta para ser apreciada pela diretoria do banco no final do ano passado, mas foi inexplicavelmente retirada de pauta. Nos últimos dias, acendeu-se novamente uma luz de esperança de que a operação venha a ser finalmente apreciada de forma definitiva. Oxalá não seja novamente postergada. O sistema de transporte público de São Paulo e sua população mais carente merecem essa obra. Ela também permitirá que o presidente do BNDES dê uma demonstração de que nosso país amadurece politicamente.

Paulo Renato Souza, consultor, foi ministro da Educação no governo Fernando Henrique Cardoso, gerente de Operações do BID, reitor da Unicamp e secretário de Educação de São Paulo no governo Montoro. E-mail: paulo.renato@prsouza.com.br