Título: Hospital da Marinha superlota no primeiro dia
Autor: Karine Rodrigues , Colaborou: Clarissa Thomé
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2005, Nacional, p. A6

Pouco mais de uma hora depois da abertura dos portões, às 5 horas, 636 pessoas já aguardavam na fila e 157 haviam sido assistidas no hospital de campanha da Marinha montado no Campo de Santana, no centro do Rio. Ao meio-dia, a situação piorou - eram 2.500 - e o responsável pelo hospital, almirante Helton Setta, fez um apelo: "Não venham mais hoje. Já esgotamos a nossa capacidade de atendimento." O hospital foi aberto ontem, por decisão da Justiça, após o prefeito do Rio, Cesar Maia, ter negado autorização para a instalação, com o argumento de que poria em risco o patrimônio público e a vida dos animais do parque.

Coordenador da intervenção federal no sistema hospitalar do Rio, Sérgio Côrtes ficou surpreso com a demanda e atribuiu a situação à falta de estrutura da rede básica. "Esperava uma fila, mas não do tamanho da que estamos vendo aqui. Ela mostra a total incapacidade do Rio de atender os pacientes perto de casa." O presidente da Comissão de Saúde da Assembléia, deputado Paulo Pinheiro, criticou a falta de investimento em postos de saúde. "80% dos que estão aqui poderiam ser atendidos em ambulatório. Sem rede básica, estamos enxugando gelo."

Criada para desafogar a emergência do Hospital Souza Aguiar, situado na rua ao lado e um dos 6 sob intervenção desde o dia 11, a unidade da Marinha produziu um efeito contrário: "Geralmente, até 10 horas, atendemos cerca de 80 pessoas. Hoje, no mesmo horário, foram mais de 150", disse o gestor do hospital, Roberto Bittencourt, onde uma mulher desmaiou depois de aguardar atendimento por 5 horas. No Campo de Santana, em pé, sob sol forte, as pessoas também reclamavam da demora.

Segundo o Ministério da Saúde, 600 pessoas foram assistidas no hospital de campanha e outras 790, encaminhadas para 8 unidades de saúde da cidade. No entanto, ao contrário do registrado na unidade da Aeronáutica, aberta semana passada, os pacientes reclamaram de desorganização.

O atendimento foi feito por 19 médicos, em 8 barracas de lona climatizadas. Apesar de receber apenas casos para pediatria, clínica geral, ortopedia e ginecologia, muita gente com outros problemas foi ao local. "Recebemos casos de insuficiência cardíaca, fraturas e amputação", disse Setta, explicando que as pessoas foram encaminhadas para unidades de referência.

Primeiro paciente da fila, Gilson Batalha, de 51 anos, chegou às 22h30 da noite anterior e dormiu ao relento. "Vim aqui porque não consigo ser atendido nos postos de saúde." Mônica Vieira, de 33 anos, e a filha Lohana, de 9, também passaram a madrugada no local. Terceira da fila, ela saiu chorando do hospital quando soube que não poderia ser atendida, já que a garota precisava de um neurologista. Mais tarde, foi levada, de ambulância, para o Hospital dos Servidores do Estado.

Hoje uma equipe do Humaniza SUS, do governo federal, vai começar mais cedo a triagem realizada ontem duas horas após iniciado o atendimento, garantiu Côrtes.

ESTADO

Ele avisou ainda que o comitê gestor da intervenção vai cobrar da Secretaria Estadual de Saúde uma posição mais firme em relação à prefeitura, para que esta mantenha nos postos o atendimento básico. Segundo Côrtes, a prefeitura pode ser punida pela SES. "A secretaria, que atua como gestor pleno, pode procurar outros meios para suprir a falta de atendimento. Pode ser a contratação de serviços privados ou de universidades. Mas a melhor maneira de se resolver a questão é negociar com a prefeitura." Pinheiro disse que pediria a intervenção do Estado nos 103 postos do Rio.

Sobre a possibilidade de perder também o atendimento básico, Maia reagiu: "Acho melhor trabalharem mais e falarem menos. Não era essa a conversa duas semanas atrás."