Título: A Justiça no banco de dados
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2005, Editoriais, p. A3

E mbora o Judiciário brasileiro tenha multiplicado os investimentos em tecnologia, ao longo dos últimos anos, informatizando suas varas, abrindo sites na internet e oferecendo aos escritórios de advogacia a possibilidade de fazer o acompanhamento online de processos, em muitos tribunais os relatórios sobre as atividades mensais da magistratura continuam sendo feitos como no século 19. Ou seja: preenchidos em formulários de papel. E, como o processamento dessas informações é lento e vulnerável a erros e distorções, pois parte dele é realizada manualmente, até hoje, em pleno século 21, nossas instituições judiciais ainda não são capazes de gerar estatísticas globais e confiáveis sobre sua produtividade. Essa é a constatação de um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), com recursos do Banco Mundial. Aliás, a idéia de submeter o Poder Judiciário a pesquisas quantitativas e qualitativas também é um fato novo, entre nós. Pertencentes a uma instituição fechada, com baixa eficiência gerencial e uma visão de mundo excessivamente corporativa, muitos juízes sempre resistiram a abrir suas varas para estudos de pesquisadores independentes. O próprio PT, antes de chegar ao poder, passou anos criticando o apoio de organismos multilaterais para coleta de informações destinadas a balizar a reforma das instituições judiciais.

Segundo a FGV, a situação mais grave, em matéria de escassez de dados estatísticos globais, está nas Justiças estaduais. Para se ter uma idéia de sua importância, elas protocolaram 3,6 milhões de novas ações, no ano de 1990. Em 2000, esse número ultrapassou 7,4 milhões. A pesquisa foi realizada em cinco tribunais (São Paulo, Rio Grande do Sul, Pará, Ceará e Pernambuco) e revelou que, em razão do volume de ações, a Justiça paulista é a mais problemática. Seus dados sobre o número de processos entre 1999 e 2003, por exemplo, não condizem com o número de audiências no período.

Apesar de ser responsável pelo julgamento de algumas das matérias de maior interesse de cidadãos e empresas, como divórcio, inventário, inquilinato, conflitos de vizinhança, falência e cobrança de títulos, além da maioria dos casos criminais, a Justiça paulista ainda não dispõe de informações sobre os tipos de ações mais comuns em tramitação, a duração média dos processos e o número de recursos por eles gerados.

Sem esses dados sobre suas próprias atividades e sem um sistema de informática moderno que se comunique com outros órgãos, como o Ministério Público, os tribunais estaduais não sabem ao certo quais devem ser suas prioridades, pois desconhecem os pontos de estrangulamento de seu funcionamento. Por sua vez, os governos estaduais também não têm condições de estimar o montante de investimentos necessários para modernizar as instituições judiciais. Com isso, torna-se difícil adotar soluções para melhorar a qualidade dos serviços prestados a cidadãos e empresas.

A crescente desconfiança da sociedade com relação à Justiça - pois lentidão e ineficiência judicial se convertem na prática em denegação de justiça, principalmente para os segmentos mais desfavorecidos da população - é só um dos efeitos dessa situação. Outro é o impacto que tribunais anacrônicos têm causado sobre o próprio desenvolvimento econômico do País. Quanto mais congestionados, morosos, caros e ineptos são nossos tribunais, mais eles disseminam a insegurança no mundo dos negócios, multiplicando os custos indiretos da economia, com efeitos altamente perversos no desempenho das empresas, na proteção legal dos créditos, na exigência de cumprimento dos contratos, na proteção da propriedade privada, na defesa do consumidor e na captação de investimentos externos geradores de riquezas e emprego.

Por isso, pesquisas como as que estão sendo feitas pela FGV são decisivas para que se estabeleçam as condições institucionais necessárias ao crescimento sustentado de nossa economia. O mérito do governo do PT não foi apenas o de encomendá-las, ao risco de incorrer na ira de determinados setores da magistratura, mas, também, o de buscar no exterior recursos para financiá-las. Ao aceitar apoio do Banco Mundial para essa atividade, deixando de lado os preconceitos do passado, o governo deu um passo importante para colocar o País na trilha do desenvolvimento.