Título: Contra o câncer, um Projeto Genoma
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2005, Vida &, p. A14

Primeiro, foi o mapeamento do DNA do homem. Agora, os americanos querem aplicar o conhecimento do Projeto Genoma Humano para compilar um catálogo completo de anormalidades genéticas que caracterizam o câncer, ou seja, determinar as mutações no DNA que geram o tumor ou o sustentam com base na seqüência de milhares de amostras de tumores. O Projeto Genoma do Câncer Humano, como está sendo chamado, seria maior do que seu modelo. O custo aproximado, apresentado no mês passado ao Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, é previsto em US$ 1,35 bilhão em nove anos, mas ainda não se sabe de onde virá o dinheiro nem quando teria início. Por enquanto, a probabilidade é que o governo americano invista em pequenos projetos piloto.

A proposta foi elaborada por um grupo liderado por Eric S. Lander, diretor do Broad Institute, centro de pesquisa genética filiado à Universidade Harvard e ao Instituto Massachusetts de Tecnologia (MIT), e por Leland H. Hartwell, vencedor do Prêmio Nobel de Medicina e presidente do Centro Fred Hutchinson de Pesquisa do Câncer. O custo alto é reflexo dos números envolvidos no projeto, que o tornam, no mínimo, ambicioso. A intenção é determinar a seqüência de DNA de 250 amostras dos 50 principais tipos de câncer, o que totaliza 12.500 exemplares. Elas seriam comparadas entre elas e com a seqüência do tecido saudável.

Em geral, cada célula de tumor tem uma estrutura completa de DNA humano, uma cadeia de 3 bilhões de letras do código genético - determinar então a seqüência de todos os tumores seria o equivalente a 12.500 vezes o Projeto de Genoma Humano. "Teoricamente, é possível. Mas é um trabalho monumental", diz o brasileiro Marco Antonio Arap, que trabalhou com células malignas de câncer de próstata nos EUA.

CÓPIAS E MUTAÇÕES

Por isso, a proposta no momento, diz Lander, seria seqüenciar apenas os genes ativos dos tumores, que compõem de 1% ao 2% do DNA. Ele se baseia em experiências como a conduzida pelo geneticista Michael Stratton no Instituto Sanger, na Grã-Bretanha.

Há cerca de dois anos, Stratton veio ao Brasil e apresentou resultados do trabalho, lembra a geneticista Anamaria Camargo, do Instituto Ludwig, de São Paulo. A equipe britânica usou uma técnica mais simples do que seqüenciar todo o genoma da amostra: eles isolaram algumas regiões da fita de DNA e focaram nesses pedaços, trabalhando com genes que teriam mais chances de mostrar variações. "Stratton não achou grandes mutações no tecido tumoral, algumas também presentes no tecido normal", diz Camargo. "Aparentemente, a diferença entre os dois projetos, de Stratton e de Lander, é o valor investido." O Instituto Sanger recebeu US$ 67,3 milhões.

Se o valor da proposta americana fosse calculado por uma somatória simples, ele requereria pelo menos US$ 12,5 bilhões, com o custo de US$ 1 milhão por tumor. Lander defende o investimento de US$ 1,35 bilhão com base na expectativa de que, em poucos anos, os custos do seqüenciamento caiam a um décimo dos atuais.

O Projeto Genoma Humano custou US$ 3 bilhões, dos quais somente US$ 300 milhões foram gastos no seqüenciamento de DNA - o restante foi despendido em tecnologia de desenvolvimento. "A tecnologia disponível hoje não estará à altura da tarefa de fazer este projeto", disse Lander. Contudo, ele acredita que "o custo do seqüenciamento está caindo tanto que (o Projeto Genoma do Câncer Humano) não é mais um projeto impensável".

Lander reconhece a dificuldade em encontrar dinheiro para o projeto e não descarta a contribuição da indústria farmacêutica.

Craig Venter, que competiu com Lander ao liderar um projeto privado de seqüenciamento do genoma, disse que faz mais sentido analisar famílias específicas de genes conhecidos associados ao câncer. "Talvez haja formas melhores de avançar na pesquisa do que desviar US$ 1 ou 2 bilhões para outras áreas quando não se sabe que resposta teremos", disse.

Há outros potenciais obstáculos, como distinguir quais variações são realmente importantes na doença e a capacidade rápida de mutação dos tumores, que pode fazer duas células apresentarem características diferentes. Além disso, o seqüenciamento do DNA não é a única estratégia genômica para lidar com a doença. Lançado no Brasil há seis anos, o Programa Genoma Humano do Câncer criou um método que decodifica apenas a parte ativa do gene no caso de tumor, em vez de analisar o gene inteiro. O projeto foi realizado com base em tumores retirados do pescoço e do estômago, por exemplo.