Título: Massa salarial cresce R$ 1 bi por mês
Autor: Nilson Brandão Junior
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2005, Economia, p. B3

Com aumento da ocupação e recuperação da renda, o valor passou de R$ 17 bi em janeiro e fevereiro de 2004 para R$ 18,1 bi este ano

A massa salarial vem crescendo a uma média mensal de R$ 1,1 bilhão no primeiro bimestre, comparada à do mesmo período de 2004. Fruto do aumento da ocupação e da recuperação da renda real, o valor passou de cerca de R$ 17 bilhões em janeiro e fevereiro de 2004, em cada mês, para R$ 18,1 bilhões este ano, com base nos dados das seis principais regiões metropolitanas. O ímpeto da massa salarial, que já cresceu 6,4% ante o ano anterior, reforça as expectativas de aumento de consumo este ano. "A renda real parece que começou a engrenar finalmente", diz o coordenador do Grupo de Trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Lauro Ramos.

Em fevereiro, descontada a inflação, a renda cresceu (2,6%) pela sexta vez seguida ante o mesmo mês de 2004. O pessoal ocupado avançou 3,7%, segundo o IBGE. A massa salarial, resultado do avanço do total de trabalhadores e de quanto ganham, foi calculada pela LCA Consultores.

O levantamento mostra que o valor deste ano é o maior desde 2003, considerado o fundo do poço do mercado de trabalho. A nova série da pesquisa mensal de emprego do IBGE começou em março de 2002 e inclui São Paulo, Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Salvador.

Segundo o economista da LCA Fábio Romão, o aumento da população ocupada foi preponderante, mas o crescimento da renda já deu contribuição significativa para o volume salarial.

As projeções de crescimento da massa salarial para este ano estão entre 5% e 8%, com base nas estimativas da LCA e do Ipea. De um lado, o rendimento real vem aumentando com a redução da inflação, que tira menos poder de compra dos salários, com a entrada de mais empregos "protegidos" e com o aumento dos ganhos, mesmo no setor informal.

Segundo Ramos, 83% dos empregos criados em fevereiro foram com carteira ou estatutários. Antes, a maior parte das vagas abertas era de baixa qualidade ou subempregos, como qualifica Ramos. Isoladamente em fevereiro, a renda dos empregados com carteira teve leve recuo (1,4%) e dos sem carteira, aumento (8%).

Na avaliação do economista da LCA, os empregados sem carteira assinada, que não têm aumentos de ganhos submetidos à rigidez de contratos, podem estar se beneficiando do aumento da massa na venda dos seus serviços. Além disso, parte da formalização dos trabalhadores que eram precários pode estar se dando em faixas salariais mais baixas, indica o economista do Ipea.

Ramos estima que a quase totalidade dos 1,2 milhão de postos criados entre o fim de 2002 e o início do segundo semestre de 2004 era de baixa qualidade. "A gente ainda tem de gramar muito, mas antes o subemprego respondia por quase tudo e isso vem se reduzindo", diz. "Esse é um dado muito importante. É claro que são apenas dois meses, mas, como indícios, são bastante interessantes e promissores." A tendência para o ano é de "recomposição qualitativa", que elevará a renda e o consumo das famílias.

As empresas seguem o movimento. O diretor do Grupo Pão de Açúcar para as bandeiras CompreBem e Sendas, Hugo Betlhem, avalia que a evolução de vendas será maior para produtos como alimentos e higiene, diretamente ligados à evolução da renda, do que para os bens duráveis, mais influenciados pelo crédito, como celulares e eletrodomésticos. Esses produtos tiveram um boom de vendas em 2004 e devem ficar mais estáveis, diz Bethlem.

QUALIDADE

O economista da LCA avalia que os dados do IBGE e do Caged (Ministério do Trabalho) mostram o mercado de trabalho num "sentido positivo", de maior qualidade, ainda que num ritmo menor de criação de postos, comparado com o fim do ano. Essa desaceleração, diz ele, se explica por um fator sazonal, já que tradicionalmente são criadas mais vagas em dezembro e há um refluxo histórico nos primeiros meses do ano.

Segundo o IBGE, a taxa de desemprego foi de 9,6% em dezembro para 10,2% em janeiro e atingiu 10,6% em fevereiro nas regiões metropolitanas pesquisadas. Algumas consultorias, como a LCA e a Tendências, tentam retirar os chamados efeitos sazonais da taxa para permitir a comparação com os meses anteriores, já que as taxas não são dessazonalizadas.

Neste exercício, a Tendências conclui que a desocupação nas regiões pesquisadas pelo IBGE teria ficado estável entre janeiro e fevereiro. Já a LCA recalculou a desocupação do Dieese para São Paulo, que subiu de 16,7% para 17,1% de janeiro para fevereiro, tentando tirar diferenças de dias úteis e nível de atividade nos dois períodos. Nesse cálculo, teria havido leve recuo de 17,46% para 17,22%.

No caso do rendimento, a pesquisa do Dieese divulgada na semana passada indicou queda para a Grande São Paulo, de 1,6% em janeiro (o dado da renda sai com um mês de defasagem). O diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, argumenta que a queda em janeiro foi motivada pelo crescimento do trabalho autônomo, além da alta rotatividade. Ele comentou que o departamento está estudando a diferença de resultados - pelos dados do IBGE houve crescimento.

Uma característica comum às duas pesquisas é que o entrevistado declara quanto recebe, o que poderia causar diferença. O dado mais recente de renda do IBGE é de fevereiro e o do Dieese, de janeiro. O consultor da LCA cita ainda que as duas pesquisas têm períodos de coleta distintos: a do IBGE leva em conta a apuração do dado no mês de referência, enquanto a do Dieese usa uma média móvel trimestral, ou seja, o resultado de fevereiro é fruto da média registradas nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro.

De qualquer forma, Ganz Lúcio avalia que a tendência para o ano é mesmo de recuperação da massa salarial. Ele acrescenta que a inflação mais baixa deste ano favorece a negociação salarial e a tentativa de obtenção de ganhos reais (acima da variação de preços da economia). Além disso, o diretor do Dieese diz que tem havido maior formalização no setor industrial. "Esses fatores devem contribuir para o salário médio", comenta Ganz.