Título: Preocupação é deixar a porta aberta para o FMI
Autor: Sheila D'Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2005, Economia, p. B4

A decisão do governo de não renovar o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) foi apoiada por empresários, economistas e sindicalistas. Eles argumentam que o País vive uma nova fase e tem condições de caminhar com as próprias pernas, sem financiamento e monitoramento do FMI. Mesmo assim, o governo deve manter a política econômica restritiva adotada durante o período em que a economia esteve submetida às restrições impostas pelo acordo.

O economista Marcelo Allain, professor do MBA da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Fipe-USP), diz que o País apresenta hoje um quadro bem diferente daquele vivido em 1998, quando teve de recorrer à ajuda do Fundo. "Certamente o Brasil não passa por uma crise cambial, além de viver uma situação de abundância de financiamentos. O déficit da balança de pagamentos foi revertido e as exportações garantiram um superávit comercial superior a US$ 30 bilhões."

Na avaliação do presidente do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae) e ex-ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, há uma tendência de continuidade no movimento de aumento das reservas internacionais este ano, por causa dos resultados da balança comercial. Para ele, "o Brasil tinha liberdade de renovar ou não renovar o acordo, então, está tudo muito bem". Reis Velloso disse, no entanto, que o governo ainda tem que estar atento aos movimentos da economia internacional, particularmente a dois: o da taxa de juros dos Estados Unidos e os preços internacionais do petróleo.

Para o diretor executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Sérgio Gomes de Almeida, o nível de reservas líquidas do País, de US$ 34,8 bilhões, ainda é baixo. "O governo deveria ter deixado uma porta aberta com o FMI, já que ainda precisa de um cheque especial para cobrir uma eventual falta de reservas, em caso de uma instabilidade financeira internacional."

O diretor do Departamento de Economia do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), Boris Tabacof, concorda que os recursos do FMI deveriam ficar de alguma maneira disponíveis. "A situação externa do Brasil é boa, mas a conjuntura global pode mudar esse quadro", argumenta. Com a não renovação do acordo, Tabacof diz que o governo poderá finalmente excluir os investimentos do cálculo do superávit fiscal, proposta nunca aceita pelo Fundo.

Para a economista Monica Baer, da MB Associados, seria mais confortável se o acordo fosse renovado apenas como caráter preventivo. Segundo ela, além de o cenário internacional ter piorado nas últimas três semanas, no ano que vem há eleições presidenciais, o que pode alterar os ânimos do mercado. "Se a situação piorar, não passamos imunes. Num cenário de stress, a aversão a risco tende a aumentar e diminuir o fluxo de recursos para o País."

O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Luiz Marinho, comemorou a não renovação do acordo com o Fundo, atitude classificada por ele como um ato de coragem do governo. "A economia brasileira atingiu um grau de segurança bastante razoável, não precisamos continuar pendurados nem ficar discutindo com o FMI a evolução da nossa política econômica".

A iniciativa do governo foi elogiada também pelo ex-diretor do Banco Central e atual diretor-executivo do Banco Itaú, Sérgio Werlang. "Já defendia essa medida no ano passado. Como a economia apresenta fundamentos sólidos, há boa condução da política fiscal e um nível adequado de reservas cambiais, não é mais necessário manter o acordo com o FMI". Para Werlang, a medida poderá contribuir para melhorar a classificação de risco dos títulos do País.

Na avaliação do ex-presidente do BC Carlos Langoni, o maior perdedor com a não renovação do acordo foi o próprio FMI. "Ele vai perder o seu cliente preferencial", argumenta. Para Langoni, o fim do acordo mostra que aumenta a responsabilidade do governo com o ajuste fiscal. Langoni acredita que há condições para elevar a meta de superávit primevando a meta de superávit primário em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) dos atuais 4,25% para até 5%.

Já o economista Reinaldo Gonçalves, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com história ligada ao PT, diz que pouca coisa vai mudar na parática. "O governo provavelmente vai manter a atual política fiscal e monetária restritiva ao modelo FMI". Segundo ele, a não renovação do acordo "corrige uma decisão equivocada de dois anos e meio atrás", quando Lula ainda era canadidato e, na sua opinião, não deveria ter concordado com a renovação do acordo com o Fundo à época.

DESDOBRAMENTOS

PRÓS

POLÍTICA - A decisão consolida a atual política monetária e fiscal , ponto positivo para a reconquistar a confiança dos investidores estrangeiros

METAS - O ajuste das contas públicas e a meta de controle da inflaçao podem agora ser alcançadas de forma voluntária e com participação dos diversos segmentos sociais

INVESTIMENTO - O Pais passa a ter liberdade para excluir os investimentos do cálculo do superávit fiscal, proposta do governo e sempre negada pelo FMI

CONTRAS

RESERVAS - O atual nível de reservas líquidas (US$ 34,8 bilhões) é considerado baixo, o que poderia colocar o País em situação vulnerável numa eventual instabilidade do cenário internacional

APERTO - A não renovação do acordo reforça o modelo restritivo desenvolvido até agora