Título: Lula: 'Andar com as próprias pernas'
Autor: Leonencio Nossa, Isabel Sobral
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2005, Economia, p. B5

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem uma autocrítica ao avaliar que o Fundo Monetário Internacional (FMI) permitiu que o País "sobrevivesse" nos períodos de bancarrota e crises internacionais. Ao comentar a decisão de não renovar o acordo com o Fundo, em solenidade no Palácio do Planalto, ele citou as campanhas "Fora FMI" organizadas pela esquerda nos anos 80 e 90 e disse que só agora o governo poderá "andar com as próprias pernas".

"Se pensássemos (como) há 10 ou 15 anos, eu conheço gente aqui no plenário e do meu governo que certamente estaria gritando na rua: 'Fora FMI'", afirmou o presidente. "Embora não fomos nós que fizemos os acordos, todo mundo sabe que o Brasil quebrou três vezes e o Fundo deu sustentabilidade ao País."

Na revisão histórica da atitude petista em relação ao Fundo, ele assegurou que, embora não tenha renovado o acordo, o governo fará economia e só gastará em obras necessárias. "Ninguém precisa dizer para nós que temos de ser responsáveis com os gastos públicos. Isso aprendemos dentro de casa", salientou. "Eu e Marisa temos uma vida matrimonial que vai completar 31 anos e nunca gastamos mais do que podemos. Se isso deu certo na minha casa, certamente vai dar certo no Brasil." O discurso de Lula foi feito no lançamento do Viva Brasil, um projeto do governo e de empresários para vender produtos brasileiros no mercado francês.

'SERENIDADE'

Lula contou que recebeu uma carta do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, com a sugestão para não renovar o acordo com o Fundo. O presidente lembrou que, ao tomar posse em 2003, renovou por um ano o acordo. "Hoje, ao comunicar ao FMI que não vamos fazer mais um acordo, fazemos com a serenidade e com a tranqüilidade de um governo que conquistou com sacrifício de todo o povo brasileiro o direito "de andar com as próprias pernas."

Num discurso em que pediu otimismo a empresários e à população, Lula não citou o nome do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que estava no poder quando o Brasil "quebrou" e teve de recorrer ao FMI.

"Vamos agora dar demonstração de que temos condições de, seguindo nossa própria orientação, cuidar do Brasil com o carinho que mulheres e homens deste País precisam."

Lula pediu uma reflexão de todos e voltou a pedir que as pessoas vejam a vida de forma positiva. "A gente não pode evitar que chova, mas ninguém precisa ficar encarando a chuva como se fosse uma coisa ruim, porque tem outros milhões necessitando de chuva."

Nas últimas semanas, Lula discutiu diversas vezes com o ministro Palocci as conseqüências de não renovar o acordo com o Fundo.

A decisão foi formalizada na manhã de ontem numa reunião com ministros da coordenação política, no Planalto. Palocci e o presidente do Banco Central, Henrique Meireles, que também participou do encontro, apresentaram argumentos para que o acordo não fosse renovado.

"A decisão é uma marca da mudança da situação econômica do País", avalia um interlocutor que participou da reunião. Também participaram do encontro da coordenação o vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, e os ministros José Dirceu (Casa Civil), Tarso Genro (Educação), Luiz Dulci (Secretaria-Geral) e Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação e Governo).