Título: Esquecida em SP, Tarsila faz sucesso em Buenos Aires
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2005, Metrópole, p. C3

Cabeça pequena, corpo desproporcional. Como cenário, um cacto. A imagem agreste do Abaporu foi vista no ano passado por 350 mil pessoas. Na Argentina. Aqui nem a metade desse público apareceu para conferir a beleza nos lábios grossos de A Negra, outra obra-prima de Tarsila do Amaral. O Abaporu está no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires. Criado em 2001, tem pouco mais de 200 obras de artistas latinos. A Negra fica no Museu de Arte Contemporânea (MAC), com 8 mil maravilhas da arte brasileira e mundial. Como explicar que o MAC não receba mais do que 150 mil pessoas por ano? E a situação esteve pior. Nos últimos três anos, a direção obteve aumento de 40% no público, graças a escolas e públicos específicos, como idosos e deficientes, e à reabertura do anexo no Ibirapuera - a sede fica na USP.

Eram esses grupos que impediam a sala de estar vazia na quinta, dia 17. Quando saíram, restou só o vestibulando Rodrigo Almeida, de 23 anos, encantado com Tarsila. "Nunca tinha visto uma obra dela de perto, nem sabia que aqui tinha", diz Rodrigo, que mora no periférico Jardim Adalgisa.

A diretora Elza Ajzenberg diz que um fator decisivo para o MAC deslanchar é ter um prédio maior. Hoje só 2% do acervo fica exposto. "Grandes museus mostram pelos menos 10%."

Bom acervo e mostras temporárias de qualidade. O Masp foi um dos primeiros na cidade a usar - e a depois esquecer - essa dobradinha. Em 1997, com a exposição de Monet, recebeu mais de 700 mil pessoas. Em 2004 foram 226 mil, número incompatível com peças cobiçadas no mundo todo.

Prova disso é o movimento na sala de restauração, onde as obras também são embaladas para viagens internacionais. Na sexta, 18, mesmo dia em que chegava A Ressurreição de Cristo, de Rafael, saía o Costume para 2045, roupa maluca criada por Dalí. Além de orientar a embalagem, a restauradora Karen Barbosa tinha na mesa uma obra de madeira e ouro do século 15 atacada por cupins.

Da arte pré-colombiana ao kitsch, o Masp tem 8 mil peças. "Só expomos 700, por falta de espaço", diz a coordenadora do acervo, Eunice Sophia, que sabe de cor, por exemplo, quantos itens tem a coleção de vestidos do Masp. "São 148." Em crise, o museu já atrasou salários, tomou decisões equivocadas no projeto cultural e até usou quadro como garantia de uma dívida de R$ 3,3 milhões com o INSS - sendo que o acervo, tombado, não pode ser vendido. O museu já fez até 50 exposições por ano. No ano passado, foram apenas 8.

Mas o Masp se mantém pelo acervo, com peças como o retrato de Lunia Czechowska, que emocionou a londrinense Anna Gardemann, de 21 anos. "Acabei de ver este quadro num filme sobre Modigliani. Estou surpresa de saber que está aqui. Ele tinha problemas com bebida e de grana. E fez esta obra linda."