Título: Corrida pela atualização é estilo de vida para cardiologista
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2005, Vida &, p. A24

João Pimenta integra um grupo de médicos que está à frente do que se diz e se faz

Ao desembarcar no aeroporto de Cumbica, no fim da semana passada, vindo de um Congresso de Cardiologia em Orlando, na Flórida, o médico paulistano João Pimenta trazia na mão um jornal e, na memória, algumas boas idéias ouvidas em palestras e mesas-redondas. Naquela imensidão de auditórios e corredores, visitados por 35 mil pessoas, impressionou-o, em especial, um debate sobre a ação das células-tronco em tratamentos do coração. Um dos convidados explicava que essas células, retiradas da medula óssea de um paciente, foram injetadas em seu miocárdio parcialmente danificado. "O apresentador mostrou que aquela região do coração do paciente se tornou mais ativa ao receber as células-tronco. Ou seja, elas já começam a ter um papel concreto nas técnicas de recuperação cardíaca", lembra-se.

O jornal era um USA Today, no qual Pimenta destacou a informação de que, nos próximos 20 anos, os Estados Unidos vão precisar de 200 mil novos médicos. A população americana está envelhecendo mais e a procura de estudantes por Medicina está em queda. Os que entram na carreira fogem de áreas como ginecologia ou doenças degenerativas.

Não se trata, apenas, de informações interessantes: são a própria sobrevivência profissional. E correr atrás dessas novidades virou um estilo de vida para Pimenta. Assim, pelo menos duas vezes por ano ele deixa sua rotina como diretor do Serviço de Cardiologia do Hospital do Servidor Público do Estado - enorme centro de atendimento junto ao Parque do Ibirapuera, em São Paulo - e toma um avião rumo a algum desses grandes congressos mundiais.

No ano passado, esteve no mais importante encontro de cardiologia europeu, em Berlim. Não faltará no deste ano, já marcado em Estocolmo. Nos Estados Unidos, além do congresso de Orlando, organizado pelo American College of Cardiology, ele costuma ir a outro de grande prestígio, da American Heart Society.

No Brasil, onde há também bons congressos, ele é sempre convidado como palestrante. "Em Belo Horizonte, no ano passado, fiz uma exposição sobre o efeito do álcool em doenças cardíacas. Está comprovado que uma quantidade moderada de bebida, um bom vinho ou uma pequena dose de uísque ajudam a proteger o organismo de problemas cardiovasculares", diz ele.

Aos 61 anos, Pimenta é parte de um pequeno grupo que está sempre alguns quilômetros à frente do que se diz, se faz e se publica em sua área. Para eles, a recente resolução do Conselho Federal de Medicina, exigindo atualização profissional, pede o que já fazem. Dividindo o tempo entre o Servidor - no qual trabalha há mais de 30 anos -, o seu consultório ali pertinho e muita prosa com médicos e estudantes, ele faz o que gosta: ler, estudar, conversar, aprender, ensinar. Foi assim desde menino, quando com ajuda de parentes deixou um pequeno sítio para estudar em Sorocaba, no interior paulista, onde se formou em Medicina em 1967.

Nenhuma surpresa, portanto, que já aos 32 anos fosse convidado como visiting professor na área de arritmia cardíaca na Universidade de Miami. Nada demais, também, que hoje seu nome seja lembrado a toda hora para as bancas examinadoras do Incor, o Instituto do Coração, onde a elite dos formados em cardiologia do País vai buscar um "10, com louvor" para suas teses de doutorado. Ele esteve em uma dessas bancas em fevereiro e tem outra marcada para amanhã. "O que me agrada é que esse é um bom modo de me atualizar. Você tem de ler a tese do sujeito, que traz a última palavra de algum assunto, não é?"

Atualizar-se, adverte, é uma atitude, não um projeto momentâneo. É estar em contato com sites de revistas como The Lancet, Circulation, The New England Journal of Medicine. Correr os olhos pela lista de artigos e separar os que lhe interessam.

As novas técnicas e equipamentos para os exames, por exemplo: não dá para não saber. Sejam sofisticados, como uma angiocoronariografia, ou simples como um ecocardiograma, esses exames estão mudando demais. "Um eco já mostra hoje, com ajuda do computador, muito mais coisas do que antes", comenta. "Você amplia, vira para cima, para o lado. Às vezes ele informa mais que uma angiografia. E não é invasivo."

Essa permanente reciclagem deixa suas marcas na rotina do hospital. Na visita aos doentes, ao lado de médicos e alunos, os diagnósticos são vistos, avaliados, repassados. Dúvidas viram tema de uma pesquisa, de uma reunião. E, se a atualização dos médicos é necessária, o ensino também precisa ser melhorado. "Residentes aparecem no hospital sem jamais ter visto uma marca-passo", conta. "E o problema do atendimento permanece: por que um bom médico, podendo clinicar em uma cidade grande, onde viverá melhor e dará boas escolas aos filhos, vai abrir um consultório no Vale do Jequitinhonha?"