Título: Com 4 empregos, clínico procura aperfeiçoamento
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2005, Vida &, p. A24

Mário João Salviatto faz parte dos 65% que trabalham em mais de 3 locais

Todo dia, pouco depois das 6 horas, o clínico-geral Mário João Salviatto desce os três andares do prédio onde mora, em Vila Matilde, zona leste de São Paulo, e corre para o primeiro dos seus quatro empregos. Responsável pela Divisão de Internação do Hospital Valdomiro de Paula, ali perto, ele trabalha até cerca de 9h30 - hora em que sai correndo para outro hospital da região, o Santa Marcelina. No começo da tarde, veste uniforme de funcionário público e ajuda no atendimento do Pronto-Socorro de Sapopemba, onde o aguarda uma fila de 20 pacientes, em média. Terminado o horário, volta para fechar o dia no emprego da manhã, no Valdomiro de Paula. "Isso é nas segundas-feiras", diz. "Nas terças, é pior." Terça-feira é o dia em que Salviatto, especialista em pneumologia, corre para seu quarto compromisso: um plantão pesado na Avimed, um convênio particular no qual passa a manhã inteira e nunca dá menos de 20 consultas.

Aos 58 anos, pai de seis filhos, divorciado, Salviatto faz parte dos 65% de médicos brasileiros que, segundo o Conselho Federal de Medicina, têm mais de três empregos - um claro sinal da desvalorização da profissão nos últimos 15 anos. Como tantos outros, ele não tem tempo para estudar, debater em congressos ou acompanhar a evolução de técnicas e equipamentos.

"É importante, mas nem sempre dá para fazer", resume. Ler uma revista aqui ou ali, aceitar convite para uma reunião, um jantar com laboratório, são coisas que aparecem, mas nada resolvem. A tecnologia é muito rápida. A meninada jovem anda pelos corredores do hospital de palmtop na mão, cheio de softwares e dados novos. A atualização pedida pelo Conselho Federal de Medicina "é bem-vinda, mas é um desafio terrível", conclui. "O sujeito vive num corre-corre, fica um ano sem ver nada, ir a congresso, e quando se dispõe a ir nem sabe mais do que estão falando. De uma hora para outra aparece um monte de siglas que você não tem idéia do que significam."

Esse desligamento, no caso dele, foi maior entre os anos 80 e 90, quando tocou um consultório particular. "Eu dava duro o dia inteiro, precisava muito de dinheiro, estava comprando casa, formando a criançada. No começo da noite chegava em casa e já tinha de sair de novo pra algum lugar." Por volta de 1998, Salviatto desistiu do consultório e voltou para o Santa Marcelina - um hospital bem equipado, com um corpo médico de quase 500 profissionais e uma das melhores residências médicas. "Foi um choque", lembra-se. "Retomei as conversas com outros médicos e não entendia metade do que diziam."

Há algum tempo o pneumologista começou a correr atrás do prejuízo. Às terças e quintas, por exemplo, como preceptor dos residentes no Santa Marcelina, não perde uma ocasião de adaptar os conhecimentos. "Eu ouço os alunos usando um termo novo e já pergunto: 'O que é isso, meu filho?' Logo vem a resposta: 'Ah, é um consenso novo em neurologia.' Eu trato de aprender, vou ler correndo, para não ficar por fora."

Há algumas semanas, o Santa Marcelina criou um curso de atualização para algumas áreas e ele se animou. "Até avisei colegas do outro hospital, que precisam muito disso. E é de graça." Aos sábados ele vai a um curso de chefia e liderança, necessário à sua rotina de coordenador de equipes - mas que nada tem a ver com a eficiência como médico. Por sinal, esse é um perfil muito comum à sua volta. "Tem muito médico por aí que acaba se especializando em gestão administrativa porque se tornou coordenador ou diretor e descuida da parte científica. Mas continua a dar consultas."