Título: É possível melhorar
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2005, Notas & informações, p. A3

A s fundamentadas críticas de especialistas à mudança, para pior, da qualidade da gestão das finanças do governo federal parecem ter causado incômodo entre os formuladores e executores da política fiscal. Há dias, o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, admitiu que, se necessário, o governo poderá elevar a meta do superávit primário de 2005, fixada em 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB). Depois, o ministro interino do Planejamento, Nélson Machado, procurou mostrar que, ao contrário do que muitos possam imaginar, os gastos do governo Lula com pessoal, assim como com custeio e investimentos, não estão acima da média observada no último biênio do governo Fernando Henrique Cardoso. São declarações de dois funcionários reconhecidos pela maneira responsável como vêm administrando as finanças do governo federal, mas elas não respondem à essência das críticas à gestão da política fiscal.

Os resultados fiscais alcançados pelo governo Lula são, realmente, importantes. Se se pode apontar um componente da política econômica atual que surpreendeu de maneira muito positiva a sociedade brasileira, com toda certeza é a maneira segura como a equipe do Ministério da Fazenda, ao qual está vinculada a Secretaria do Tesouro Nacional, em conjunto com a do Ministério do Planejamento, administrou os recursos públicos. Os superávits primários prometidos foram alcançados, até com certa folga, mesmo quando a meta foi elevada. Esses resultados dão credibilidade ao secretário do Tesouro quando ele diz que, se necessário, o superávit de 2005 pode ser maior do que o prometido.

Em entrevista ao jornal Valor, o ministro interino do Planejamento, de sua parte, mostrou que, em termos reais, as despesas com custeio e investimento ficarão apenas R$ 100 milhões acima dos valores registrados em 2002. "As receitas e os gastos estão no patamar histórico", afirmou Nélson Machado. "Não há descontrole."

Mas o que a comparação das contas públicas de 2003 e 2004 mostra é que superávits primários elevados não garantem a qualidade da política fiscal e que, de um ano para o outro, essa política piorou muito, mesmo não tendo havido descontrole. As projeções para 2005 sugerem que haverá nova deterioração e não será a eventual elevação da meta de superávit que inverterá essa tendência. Para isso, é preciso mudar a política fiscal - e o próprio governo Lula já mostrou que isso é possível.

O ministro interino do Planejamento apontaria essa conclusão se, na sua comparação, em vez dos números de 2002 tivesse utilizado os de 2003. No primeiro ano do governo Lula, as despesas discricionárias, aquelas sobre as quais o Poder Executivo tem efetivo controle, ficaram em R$ 57,7 bilhões, 19,2% a menos, em valores reais, do que as registradas no último ano do governo anterior. São números do Ministério do Planejamento. Eles mostram que, apesar da existência de grandes empecilhos, é possível, sim, reduzir de maneira significativa os gastos públicos. No ano passado, entretanto, em lugar de manter o rigor com que agiu em seu primeiro ano, o governo Lula afrouxou a política fiscal e os gastos discricionários voltaram aos níveis de 2002. E devem manter-se nesses níveis também em 2005, se tudo correr como planejado.

O governo alega que o aumento dos gastos discricionários teve como objetivo o fortalecimento de programas sociais. Num país com tantas carências sociais como o Brasil, esta é uma justificativa contra a qual nenhum cidadão consciente se levantaria. Mas, mesmo assim, a sociedade tem o direito de perguntar se esse dinheiro está sendo aplicado da maneira mais eficiente possível.

Esse é o problema. O aumento dos gastos sociais coincide com o fracasso, por inépcia, dos principais programas do governo na área. A coincidência é um indício de que o governo tenta, com dinheiro, compensar seu desgaste político. Como não se notou mudança na qualidade de gestão das novas ações, o resultado será novo desperdício à custa do contribuinte; ou seja, os gastos adicionais não resultarão em mais serviços para a sociedade. Assim, não se pode falar em melhora da política de gastos. Muito pelo contrário.