Título: Rumsfeld nada diz sobre ONU e decepciona Brasil
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2005, Nacional, p. A6

Em sua passagem de 20 horas por Brasília, na semana passada, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, declarou que o presidente George W. Bush ainda não definiu se apoiará o ingresso do Brasil no restrito grupo de membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Rumsfeld escapou da insistência da imprensa brasileira afirmando que caberia ao Departamento de Estado e ao próprio Bush tratar da questão. Cinco dias antes, em Tóquio, sua colega Condoleezza Rice, secretária de Estado, havia expressado o apoio total do governo americano ao mesmo pleito, apresentado pelo Japão. O gesto de Condoleezza, entretanto, foi acompanhado por declarações contundentes em favor da eliminação das barreiras sobre a importação de carne bovina americana mantidas pelo governo japonês. O tema, que não é da alçada do Departamento de Estado, deixou no ar uma suposta barganha. No Brasil, a atitude despertou dúvidas sobre quais pontos o governo brasileiro teria de ceder em troca de respaldo americano à sua causa.

No ano passado, quando o debate sobre a reforma da ONU e do conselho ganhou fôlego, Alemanha, Brasil, Índia e Japão formaram um grupo de apoio e promoção mútuos, o G4. No Itamaraty e no Palácio do Planalto, o gesto de Condoleezza em Tóquio soou como uma indicação de que Washington pode estender seu aval aos três outros parceiros do G4.

"Quando se trabalha para um presidente, a sua opinião é a do presidente. E ele (Bush) ainda não a expressou", esclareceu Rumsfeld ao sair de uma churrascaria de Brasília, na véspera do encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na prática, desde a visita do ex-secretário de Estado Colin Powell ao Brasil, no início de outubro, Washington não moveu em um milímetro sua "indefinição".

Para o Itamaraty, a defesa de um lugar permanente para o Brasil no conselho é uma questão de princípio. O Brasil pleiteia o posto desde 1945, quando se discutia a formação da ONU, sob a justificativa de que participara das batalhas da 2.ª Guerra Mundial ao lado dos aliados. Ganhou, como consolação, o direito de ser o primeiro orador na abertura dos trabalhos da Assembléia-Geral, a cada ano. Há dez anos, durante a primeira vez que conduziu o Itamaraty, Celso Amorim iniciou uma campanha pelo conselho, que ganhou corpo durante o governo Lula.

"Como estamos engajados no G4, espero que o apoio seja estendido. Mas não sei se terá um preço para o Brasil", afirmou ao Estado Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais. Alguns segmentos do Itamaraty, entretanto, acreditam que as contribuições conceituais do Brasil, o porte de sua economia e a suposta liderança na América do Sul e entre grupos de países em desenvolvimento não bastarão para convencer a Casa Branca. Os Estados Unidos, lembram essas fontes, têm no México um aliado, parceiro econômico e vizinho igualmente interessado na posição. A Argentina também pleiteia a vaga.

CETICISMO

O professor Gilberto Dupas, coordenador geral do grupo de análise de conjuntura internacional da USP, mostra-se cético com relação à própria ambição brasileira. Para ele, o País poderá tornar-se um dos membros rotativos com mandato mais longo. Nada mais que isso.

"Essa ambição", diz ele, "não é relevante". "Trará ônus financeiro e político ao País, assim como trouxe a liderança das tropas do Minustah. A liderança regional do Brasil pode se consolidar com a Transamazônica, a matriz energética e a saída para o Pacífico. Seria muito mais emblemática, mas pressuporia projetos articulados com os setores privados", completou.