Título: Incertezas preocupam o mercado
Autor: Josué Leonel
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2005, Investimentos, p. H4

O Brasil ainda deve crescer neste ano, mas os desequilíbrios da economia mundial, combinados com os sinais de menor rigor fiscal por parte do governo, podem representar uma ameaça à economia brasileira no médio e longo prazo. O economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, prevê um crescimento de 3,8% em 2005, ainda alavancado pela economia global, que deve avançar cerca de 4%, e por fatores como a expansão do crédito e da renda. "Só o crédito da pessoa física cresceu 40% nos últimos 12 meses", ressalta o economista Fernando Fix, da Votorantim Asset Management, que prevê um crescimento do PIB em torno de 3,7%. Se este número se confirmar depois dos 5,2% de 2004, afirma, o Brasil terá tido o melhor biênio em dez anos.

Para Mendonça de Barros, a massa salarial deve ter expansão de 3,5% a 4% neste ano. O PIB também deve ser alavancado pelos investimentos, que estão melhorando em setores favorecidos pelo crescimento mundial, como o de mineração. Mas o economista avalia que o chamado "crescimento sustentado" depende ainda de uma retomada forte dos investimentos em infra-estrutura.

A balança comercial deve ser outro fator positivo. Mendonça de Barros conta com uma desaceleração das exportações no segundo semestre, mas estima um superávit ainda elevado, na casa dos US$ 30 bilhões, impulsionado pelos preços das commodities, como o minério de ferro. A valorização de outras moedas, como o euro, contrabalança o efeito da queda do dólar. Além disso, o fato de muitos contratos terem sido fechados com meses, ou mesmo mais de um ano, de antecedência, com um dólar mais alto, também ajuda a sustentar as exportações.

Fernando Fix destaca também a contribuição do crescimento global para o PIB brasileiro. Ele observa que, segundo dados do FMI, o mundo cresceu 5% em 2004, melhor marca em 29 anos, e as expectativas têm sido revisadas para alta nos EUA neste ano, enquanto a China não dá sinais de que vai se desacelerar. "O juro real global em 2004 foi o menor em 25 anos e as commodities estão no maior nível em duas décadas", destaca Fix.

JUROS E IMPOSTOS

O risco de uma virada deste cenário positivo é monitorado com atenção pelos mercados, mas de maneira geral considera-se que o crescimento do Brasil neste ano não deve ser comprometido. Para o economista Nuno Camara, do banco Dresdner Kleinwort Wasserstein (DKW), o contágio de uma crise externa teria hoje menos impacto no País do que no passado, por causa da melhora das contas externas. "Hoje, o Brasil tem superávit em conta corrente, as exportações são maiores e mais diversificadas e a necessidade de financiamento externo diminuiu", comenta. Em sua opinião, se o juro subir com força nos EUA haverá impacto no fluxo financeiro, mas o fluxo físico, de dólares que entram pelo comércio exterior, não deve ser afetado de imediato. "Os juros estão subindo porque a economia está crescendo nos EUA e isso é bom para as exportações, pelo menos num primeiro momento", completa.

Embora o cenário para 2005 ainda seja otimista, as avaliações são muito mais cautelosas quando o horizonte é de médio ou longo prazos. "Todos os sinais mostram que, em algum momento no futuro, haverá um desequilíbrio mais sério. O drama é que ninguém sabe quando", diz Mendonça de Barros, que cita ainda o risco associado ao elevado déficit em conta corrente dos EUA e o conseqüente enfraquecimento do dólar como moeda global.

Mas o cenário interno também recomenda cautela. Embora o compromisso do governo com o superávit primário seja elogiado, o aumento de despesas, que chegou a 13% acima da inflação em 2004, é alvo de críticas. "Se houver uma reversão do crescimento global, a arrecadação também cairá no Brasil e a situação fiscal ficará difícil, pois as despesas que vêm crescendo estarão engessadas", diz Fernando Fix.

José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e sócio-diretor da consultoria MCM, acrescenta que sem diminuir gastos fica impossível o governo reduzir a carga tributária, que considera ser um fator limitador do crescimento. "Não adianta tentar fazer reforma tributária se os gastos representam 40% do PIB", argumenta.

Nuno Camara observa que o governo cumpriu a meta fiscal em 2004 à custa do crescimento da receita e da carga tributária - o que não deve prejudicar o desempenho da economia em 2005, mas poderá diminuir o dinamismo da economia num prazo mais longo, além de atrasar a melhora da classificação de risco (rating) do Brasil. Para Senna, reformas como a previdenciária, que permitiria a redução e melhora da qualidade dos gastos, e a trabalhista, flexibilizando o mercado do trabalho, são fundamentais. "Reduzir gastos só tem efeitos positivos, pois diminui a dívida e o risco, permite reduzir impostos e também os juros", afirma. Ele observa que, sem novas reformas e investimentos, o BC terá de manter o juro alto para controlar a demanda em nível compatível com a evolução da oferta sob pena de a inflação sair do controle.