Título: O combate à pirataria no Brasil
Autor: Carlos Alberto de Camargo
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2005, Espaço Aberto, p. A2

Como ficou comprovado durante os trabalhos da CPI da Pirataria, há por trás dessa atividade diversas organizações criminais que se comunicam mutuamente e se vinculam, na clandestinidade, a outras manifestações de crime organizado, formando uma imensa rede de ilegalidade, que se aproveita da banalização dos considerados pequenos delitos, da omissão e tolerância do Estado ¿ justificada muitas vezes pelo problema social do desemprego ¿, do comprometimento de alguns agentes públicos, de brechas na legislação e da impunidade. Essa organização criminal da pirataria se encaixa como uma luva no conceito de crime organizado: grupo que detém a estrutura hierárquico-piramidal para a prática de infrações penais, contando com uma divisão de tarefas entre membros restritos, envolvimento direto ou indireto de agentes públicos, voltado para a obtenção de dinheiro e poder, com domínio territorial determinado.

A ação da organização criminal da pirataria vai muito além dos limites de cada uma das unidades da Federação, atingindo toda a extensão do território nacional e mesmo ultrapassando suas fronteiras, por conta de sua vinculação com máfias internacionais.

Mas, apesar disso, ela é, em geral, combatida microscopicamente por delegacias de bairro, onde nem sequer as informações de um inquérito policial são aproveitadas nos demais inquéritos, que acabam se limitando a reportar o produto de uma apreensão, o laudo pericial e a identificação de quem o estava vendendo ou alugando, guardando, etc., deixando de investigar toda a rede criminal envolvida. A maioria dos casos nem é investigada e muitas buscas e apreensões nem ao menos se tornam inquéritos policiais.

É essa desorganização do Estado que tem sido incapaz de enfrentar com um mínimo de eficácia a organização do crime, permitindo a compartimentação entre agências policiais e justificando o não-envolvimento de outras agências do governo, compondo uma equação perversa que permite os eventos de falta de controle, desarticulação, corrupção, omissão, tolerância, envolvimentos, falta de compromisso com a eficácia, etc. Só a organização do Estado será capaz de fazer frente ao crime organizado da pirataria, o que torna vital a criação de um sistema de agências governamentais federais, estaduais e municipais, policiais e não-policiais, que atue de maneira permanente, continuada, espontânea, enérgica e, sobretudo, articulada, com a colaboração do setor privado, dentro de uma rotina de prevenção e repressão.

A atuação sistêmica de agências governamentais de todos os níveis, mercê do compartilhamento de informações e do emprego operacional articulado, provocará uma verdadeira sinergia de competências, capaz de opor a organização do Estado à organização do crime. Todo esforço nesse sentido se justifica, seja pela sua lógica operacional, seja pela imensa quantidade de interesses sociais altamente relevantes ofendidos profundamente pela pirataria.

O combate mais eficaz à organização criminal da pirataria, assim como ao crime organizado de uma maneira geral, deve ser baseado não apenas em operações eventuais ou no trabalho temporário e excepcional de forças-tarefa, mas numa rotina intransigente de prevenção e repressão que se contenha no trabalho diário e normal de cada agente público, dentro de um sistema de órgãos articulados.

Criado recentemente pelo governo federal, o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual (CNCP) vem trabalhando com afinco na elaboração do Plano Nacional de Combate à Pirataria, que contempla uma centena de ações destinadas, exatamente, a organizar o Estado e a sociedade para essa tarefa. São ações de caráter operacional, econômico e educativo para serem implementadas a curto, médio e longo prazos, com vista a um combate organizado e consistente à pirataria.

Diferentemente do que ocorreu com o extinto Comitê Interministerial de Combate à Pirataria, desta vez o governo integrou no CNCP representantes de diversos ministérios e da sociedade civil.

O que nos dá confiança de que o Plano Nacional de Combate à Pirataria será realmente implementado é o fato de que o governo federal assumiu agora, publicamente, esse compromisso, não com os seis representantes da sociedade no conselho, mas com toda a Nação brasileira.

Carlos Alberto de Camargo é diretor-executivo da Associação de Defesa da Propriedade Intelectual e membro do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual