Título: Aumento de gasto social vai diminuir investimentos
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Nacional, p. A5

O gasto social do governo federal deve crescer cerca de R$ 24 bilhões neste ano, de acordo com os números do orçamento de 2005 e as novas estimativas feitas pela equipe econômica. A maior parte desse crescimento - 8% acima da inflação projetada - se concentra nos benefícios da Previdência e da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) voltada para idosos e deficientes, mas também se reflete nos gastos de transferência de renda do Fome Zero. Enquanto a despesa do INSS deve pular de R$ 126,8 bilhões para R$ 143,2 bilhões, impulsionada pelo aumento do salário mínimo e por decisões judiciais contrárias à Previdência Social, o custo do Bolsa-Família e de outras bolsas administradas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome passará de R$ 5,7 bilhões em 2004 para R$ 7,9 bilhões em 2005. Tanto o primeiro quanto o segundo aumento de gastos ultrapassam as previsões da lei orçamentária aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Lula.

Para acomodar essas demandas da área social, o governo terá de cortar outro tipo de despesa considerada prioritária: os investimentos, sobretudo os destinados à infra-estrutura. No total, garante o ministro do Planejamento, Nelson Machado, a despesa federal não deve crescer significativamente como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).

Em 2004, a União gastou pelo menos R$ 176 milhões com o custeio do setor social, representado pelos benefícios da Previdência, da Loas e da Renda Mensal Vitalícia (RMV), pelos programas de transferência de renda do Fome Zero, pelo seguro-desemprego e pela manutenção dos serviços de saúde pública. Em 2005, essa cifra deve subir para a marca dos R$ 200 bilhões - cerca de 59% de toda a chamada "despesa primária", que exclui pagamento de juros e encargos da dívida. Em 2002, o peso da área social era de 52%.

"Algumas pessoas acham que o gasto social é um mero gasto, e não um investimento, mas na verdade é o investimento por essência", afirma o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias. "Uma sociedade se mede, do ponto de vista civilizatório, pelo reconhecimento da dignidade da pessoa humana." Entre os benefícios sociais pagos pelo governo, há aqueles que têm o salário mínimo como piso ou são reajustados pela inflação, como os da Previdência e da Loas, e aqueles que não são reajustados anualmente mas crescem em quantidade, como os que integram o Bolsa-Família. Como o objetivo do governo é quase dobrar o número de famílias beneficiadas pelo Fome Zero nos próximos dois anos, esse gasto deve continuar crescendo como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).

No caso da saúde, a própria Constituição determina que a despesa do governo acompanhe o crescimento do PIB, o que engessa ainda mais o orçamento. Como o atual governo não cogita mais nenhum tipo de reforma constitucional, inclusive na área previdenciária, não há perspectiva a curto prazo de interromper a trajetória de aumento da despesa social.

Na prática, de acordo com alguns especialistas em finanças públicas, o tamanho e a dinâmica desse gasto social tem uma conseqüência: torna estreita a margem para o governo reduzir sua despesa global e, dessa forma, abrir espaço para a redução da carga tributária. Atualmente, a despesa que pode ser comprimida, a chamada OCC (investimentos e custeio da máquina), equivale a menos de R$ 30 bilhões anuais.

"Não adianta apenas racionalizar e melhorar a gestão das verbas de OCC. É preciso ter um plano de flexibilização do gasto", afirma o economista Raul Velloso.

Em termos comparativos, lembram os técnicos, qualquer redução de 1 ponto porcentual na carga tributária exige uma redução do gasto público - ou do esforço fiscal para pagar a dívida - de cerca de R$ 19 bilhões anuais. A menos que o ajuste fiscal atinja a área social, será difícil para o governo conter seus gastos.

Segundo Velloso, o governo poderia contornar a dificuldade de mudar agora a Constituição revendo sua política de pessoal e criando condições para a concessão de novos benefícios previdenciários. "Este é um país que não tem restrição fiscal. A cada dia se concede mais", opina Velloso.

No caso do salário mínimo, lembra o economista, o presidente Lula deveria evitar os reajustes acima da inflação no piso nacional vinculado à Previdência e poderia estimular os governadores dos Estados mais prósperos a elevar seus pisos regionais. Cada Estado tem liberdade para fixar pisos superiores ao salário mínimo nacional.