Título: Lula visita Chávez para falar de petróleo e aviões
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Nacional, p. A6

Em seu nono encontro reservado com o líder bolivariano Hugo Chávez, amanhã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá aprumar as relações Brasil-Venezuela em uma órbita mais pragmática, relacionada com cifras em dólares e a lógica da integração real, e deixar de lado o discurso ideológico. A caminho da Guiana e do Suriname, de onde deverá embarcar de volta a Brasília com compromisso de negociações comerciais entre o Mercosul e o bloco dos países caribenhos (Caricom), a passagem de menos de 24 horas de Lula por Caracas será marcada por acordos práticos, que tornarão viável uma série de obras na Venezuela e exportações em volumes polpudos de bens e serviços brasileiros. Apesar de o Itamaraty insistir em tratar o evento como marco da "aliança estratégica" entre os dois países, ele deverá ter cunho mais prático e capitalista. Marcará, por exemplo, a liberação de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Programa de Financiamento às Exportações (Proex) para obras na Venezuela que serão tocadas por empresas brasileiras e com serviços e produtos do Brasil. Todos estavam engavetados havia dois anos, à espera de mecanismos que pudessem garantir desembolso de recursos.

Em 2003, no primeiro encontro de governo entre Lula e Chávez, o governo brasileiro prometeu linha de financiamento do BNDES de US$ 1 bilhão. Somente a partir da recente concessão de garantias do Convênio de Crédito Recíproco (CCR), do lado do Brasil, e do Bandes, o banco de fomento venezuelano, a realização do projetos poderá finalmente ser anunciada pelos presidentes. Dessa forma, sairão do papel a construção da linha 3 do metrô de Caracas (com serviços e bens brasileiros), da hidrelétrica La Vueltosa (com equipamentos brasileiros) e dois projetos agrícolas (com maquinário brasileiro). Por sua vez, o projeto de irrigação El Dilúvio, com equipamentos brasileiros, contará com financiamento do Proex.

Todas essas obras significam benfeitorias para a Venezuela, mas também aumento expressivo do volume de exportação de bens e de serviços do Brasil, que mantém curva ascendente desde o ano passado. O crescimento de 18% da economia venezuelana e o fim da indefinição sobre quem governaria o país, com o referendo que confirmou Chávez no poder, contribuíram para um salto de 141,8% nas vendas do Brasil para seu vizinho, em relação a 2003.

As exportações brasileiras somaram US$ 1,464 bilhão, impulsionadas por expansões acentuadas de embarques de alguns itens - automóveis, de 9.945%; telefones celulares, de 135%; partes e peças de veículos, de 141%; carne de frango, de 367%; máquinas para colheita, de 1.056%. Na outra mão do comércio, a Venezuela vendeu ao Brasil apenas US$ 199,5 milhões, o que representou queda de 27,5% em relação a 2003. O principal produto, o óleo diesel, recuou 72,2%.

Essa brutal assimetria no comércio bilateral não tende a gerar controvérsias entre os dois países - até porque a Venezuela depende da importação de uma série de bens de consumo e máquinas por não ter produção industrial diversificada. Mas o tema preocupa o governo brasileiro, que vê nessa diferença empecilho à integração econômica mais profunda.

De certa forma, a expectativa é que as parcerias entre companhias poderosas das áreas petrolífera e de mineração - Petrobrás e Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA), Companhia Vale do Rio Doce e Corpozulia - possam colaborar com o alívio desse transtorno, ao elevar as importações de produtos venezuelanos pelo Brasil. Mas, ao mesmo tempo, não há como negar que interessa à Embraer vender aviões Tucano à Força Aérea Venezuelana, o que engordará a conta das exportações brasileiras. O tema deverá ser reforçado em paralelo à visita de Lula.