Título: Bete Mendes só espera o convite para voltar ao PT
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Nacional, p. A9

O PT já não é mais o partido romântico dos anos 80, dividido entre a pressa da revolução e a inserção na democracia formal. Mas quando José Genoino, seu atual presidente, ligar para a atriz Bete Mendes e convidá-la para voltar a integrar seus quadros, vai ouvir a resposta: "Companheiro, que surpresa agradável! Vamos conversar!" Bete, ex-deputada, forçada a deixar o PT em 1985, depois de votar em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, ficou muito feliz quando soube da notícia dada pelo Estado. O convite será feito a todos os que saíram naquele episódio (Airton Soares, de São Paulo, e José Eudes, do Rio de Janeiro). Mal chegou do Texas, onde gravava América (a próxima novela das 21 horas, na Rede Globo), Bete foi surpreendida "por essa confusão toda" - a decisão de Genoino de convidá-la e aos outros dois para voltar ao PT. A primeira notícia foi dada pela mãe, que mora em São Paulo e tinha guardado a edição do Estado de 15 de janeiro, que deu a informação; a partir daí, o telefone não parou de tocar. Eram amigos que queriam cumprimentá-la e apoiar a decisão petista de reintegrar os afastados de 1985.

Nestes primeiros dias Bete está usufruindo "um oceano de alegria": no carnaval, desfilou na escola de samba Alegria da Zona Sul, que homenageia o Teatro Rival (de sua amiga, a também atriz Ângela Leal), e recebeu a visita da mãe e da irmã. Ela pretende reencontrar Airton Soares, seu parceiro no drama político de 1985. "Você não imagina como estou feliz", derrama-se, numa reação muito parecida com as de Airton e Eudes, quando souberam que o PT ia chamá-los de volta ao ninho antigo.

Bete confessa que, ao sair do PT, perdeu a alegria de fazer política. Mas não quer falar em revisão ou reabilitação histórica. Hoje se diz "absolutamente convencida" de que fez as opções certas: "Eu não me arrependo de nada. Se voltasse no tempo até 1985, votaria novamente no Tancredo, faria tudo novamente, igualzinho", conta. Está "absolutamente convencida", também, que a transição pactuada que elegeu Tancredo foi a saída possível. "E a melhor prova disso é Lula no poder", fulmina.

"Não tínhamos condições de vencer pelas armas", diz ela, recordando com nostalgia as suas primeiras opções, que no início dos anos 70 produziam uma dicotomia avassaladora: durante o dia ela era "Renata", a namorada de Beto Rockefeller que embalava sonhos românticos nos telespectadores brasileiros; nas madrugadas paulistanas era guerrilheira da Ação Libertadora Nacional (ALN), presa duas vezes pelo DOI-Codi , barbaramente torturada e, afinal, absolvida na auditoria militar.

Bete diz que depois das prisões percebeu, na carne, a fragilidade da luta armada e começou a participar em movimentos que pregavam a revolução pelo voto. Logo se aproximou dos sindicatos do ABC paulista e, quando ouviu em falar na criação de um partido de trabalhadores, aderiu imediatamente. Foi ela que lembrou de comprar, num supermercado da Rua Pamplona, um caderno de capa dura onde seria escrita a ata de fundação do partido (curiosamente, este caderno hoje está com Airton Soares, outro expulso de 1985).

Na época ela não pensava em fazer carreira política. Mas no enterro do ex-presidente da UNE Luiz Travassos, em 1982, Lula lhe pediu que fosse candidata a deputada. Ela aceitou e, em novembro, alcançou a segunda votação do partido - 83.154 votos, 33 a mais que Eduardo Suplicy. Em Brasília, assustou-se com o Congresso: preparou seu primeiro discurso durante meses, com a ajuda da então deputada Cristina Tavares (PE), que ela hoje define como "uma mulher extraordinária". No dia em que enfrentou aquela platéia diferente, as pernas tremiam.

Diz ter feito "amizades lindas" no Congresso e cita Cristina, Airton, Eudes e o ex-deputado Fernando Lyra (também de Pernambuco). Mas ali, também, aprendeu que os caminhos da política "são difíceis e complicados"; e se convenceu de que a representação parlamentar é o meio mais democrático e mais correto de conduzir politicamente um país. O voto em Tancredo, segundo ela, se explica por si mesmo e por seus efeitos: "Era uma transição que superava um governo ditatorial. Sem Tancredo, desse o que desse, haveria um retrocesso".

Depois de sair do PT, premida pela decisão do Diretório Nacional, que aprovou a expulsão dos três, Bete ficou nove meses sem partido; depois entrou no PMDB e se reelegeu em 1986. Mudou-se para o PSDB e perdeu a eleição de 1990, mas já não sentia prazer na luta política. "A saída do PT foi muito doída. Nunca me recuperei", lamenta-se hoje. Decidiu entrar para o PCB, onde tinha militado como estudante secundária, em Santos, e ajudou a fundar o PPS.

Hoje, voltada para a profissão, acompanhava a política de longe, modestamente engajada em suas ideologias, "socialista e candombleísta". "Hoje só torço e aplaudo", diz. Acha que o Brasil "está vivendo um momento maravilhoso", embora admita que não perdeu o senso crítico. Quando o convite vier, vai aceitá-lo, mas não para voltar a disputar eleições. Para isso teria de ponderar muitas coisas: "Já tenho maturidade para saber em que posição posso ser mais útil."

Adoraria trabalhar com cultura popular, no entanto, observa, lembrando que foi ela quem sugeriu a criação de uma Secretaria de Cultura no PT. Bete acredita na arte engajada, para ensinar o povo a defender grandes causas. "Sem política a arte não existe", arrisca-se, ressalvando, no entanto, que fazer arte engajada não é "enfiá-la por um funil".