Título: Aldo cita Santo Tomás e defende virtudes da coalizão
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2005, Nacional, p. A8

Após sobreviver à fritura da reforma ministerial, ministro da Coordenação diz que, no mundo inteiro, quem apóia o governo participa dele e no Brasil não pode ser diferente

BRASÍLIA-"Pensei em deixar o governo", confessou o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), ministro da Coordenação Política, depois de atravessar os últimos quatro meses na condição de futuro ex-ministro. Ele admite que chegou a entregar o cargo ao presidente, que não o aceitou. Também confidencia que não ficaria magoado se fosse demitido. "A mágoa é um sentimento pouco indicado para quem procura servir aos interesses do País", justificou. Mesmo dizendo que tem uma boa relação com o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, apontado como o principal opositor à sua permanência no governo, Rebelo admite saber que "há setores do PT que gostariam de ver o partido ocupando a Coordenação Política". Para ele, é uma aspiração legítima, já que o PT é o partido do presidente da República.

Com musculatura política reforçada, Rebelo ressurgiu defendendo uma tese contraditória: a de um governo unido em torno de idéias nobres, como a retomada do crescimento e a geração de empregos, mas preso à velha prática da indicação política para os cargos da administração pública.

Como o ex-deputado Roberto Cardoso Alves, já falecido, que buscou no "é dando que se recebe", de São Francisco de Assis, a beatificação do fisiologismo durante o governo Sarney, Rebelo evocou Santo Tomás de Aquino ao ser perguntado sobre o que é mais importante - idéias ou o chamado toma-lá-dá-cá - na relação entre o governo e sua base. "Eu cito Santo Tomás de Aquino, ou seja, as condições materiais (são necessárias) para o exercício da virtude do espírito", apregoou. A seguir, a entrevista ao Estado:

Passada a reforma que não houve, qual é a estratégia para reorganizar a base aliada? O Congresso ou as eleições de 2006?

O primeiro desafio é retomar o tema da coalizão como valor político fundamental. A coalizão não se sustenta com cargos e com emendas. Ela se sustenta com objetivos capazes de unir as forças sociais, políticas e econômicas. Foi assim na Independência, na Abolição, na República e na redemocratização. As idéias devem sustentar a coalizão. A retomada do crescimento, a geração do emprego, a distribuição de renda, a ampliação das nossas exportações e fortalecimento do Brasil são as idéias que explicam a eleição de Lula e a ampla base política que lhe dá sustentação.

Essas idéias vão ser mais importantes do que a indicação para cargos, do que o toma-lá-dá-cá?

Eu cito Santo Tomás de Aquino, ou seja, as condições materiais (são necessárias) para o exercício da virtude do espírito. É claro que quem apóia o governo deve apoiar o governo. Você não pode conceber que o partido seja governo no Parlamento para votar a favor e não seja governo na administração para participar do governo. Em qualquer democracia do mundo, na França ou na Alemanha, os partidos que apóiam o governo participam da administração. Não pode ser diferente no Brasil. Quem apóia o governo deve participar da administração. Senão, teremos duas novas categorias de partido: o de categoria superior, que apóia e participa, e o de categoria inferior, que apóia e está excluído da participação.

O senhor ficaria magoado se fosse obrigado a sair?

A mágoa é um sentimento pouco indicado para quem procura servir ao País. Como isto aqui não é uma função pessoal, qualquer ministro deve estar preparado para receber do presidente a decisão de sua permanência ou não.

O senhor chegou a pensar em deixar o governo?

Pensei. Conversei sobre isso com o presidente, porque achei que deveria ter esse gesto de lealdade. Nos poucos momentos em que cogitei essa hipótese, recebi a confiança do presidente.

Os ministros fritados durante a reforma ministerial, embora tenham ficado em seus cargos, continuam fortes?

A força do ministro é a confiança do presidente. Ele nomeou dois novos ministros e manteve a equipe. Cabe aos ministros merecedores da sua confiança realizar seu trabalho com eficiência e espírito público.

Depois de todas as especulações sobre sua saída, o sr. se acha forte para continuar na Coordenação Política?

Cabe ao responsável pela coordenação merecer a confiança de seus interlocutores. Eu tenho boas relações com os presidentes da Câmara e do Senado, com os líderes do governo e da oposição e esses requisitos me permitem atuar até quando essa tarefa servir ao presidente Lula e ao governo.

O fato de a ex-governadora Roseana Sarney, cotada para o seu lugar, não ter sido indicada cria alguma dificuldade para o seu trabalho?

A ex-governadora Roseana Sarney é um quadro político de elevadas qualidades. Já demonstrou isso como deputada, como governadora do Maranhão e como senadora. Ela tem ajudado o governo em momentos importantes. Sua indicação para o ministério é uma decisão do presidente Lula. Ela tem todas as qualidades para ocupar qualquer ministério do governo.

O ministro José Dirceu era contra sua permanência na coordenação. Como será a convivência com ele daqui para frente?

Nunca recebi do ministro José Dirceu nenhuma palavra, nenhum ato ou gesto nesse sentido, embora as pessoas comentem sobre isso. Posso dizer que as minhas relações pessoais (com ele) são normais e as políticas são de cooperação com o governo. Sei que há setores do PT que gostariam de ver o partido ocupando a Coordenação Política. É uma aspiração legítima, mas o PT tem suas próprias escolhas e eu sei que elas não são fáceis. O PT tem um duplo desafio. O primeiro é o de ser a força principal de sustentação do governo em uma ampla coalizão. O segundo é o de ser ainda a força dirigente, a força coordenadora, a força que interpreta as aspirações dos aliados, dos integrantes da coalizão, para levar adiante o projeto de viabilização e sustentação do governo. Acho que dentro da coalizão qualquer integrante de um dos partidos pode exercer uma função de confiança do presidente da República - como é o caso dos ministros Walfrido Mares Guia, do PTB, Eduardo Campos, do PSB, Eunício Oliveira, do PMDB, que representam seus partidos, mas acima de tudo, representam o governo. O PT sabe que a coalizão fortalece não apenas o presidente Lula, o governo, mas também ela pode ser um fator de fortalecimento do próprio PT. Para isso, o PT tem de saber preservar o que é fundamental e fazer concessões nos aspectos secundários dentro da aliança heterogênea.

O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, disse que a MP 232 será rejeitada, se necessário até com o voto dele.

Esse é um direito do Congresso, o de pronunciar-se sobre matérias do Executivo. O presidente Severino tem sido interlocutor permanente na negociação do conteúdo da MP 232. O ministro (da Fazenda) Antonio Palocci tem sinalizado com concessões importantes em relação a essa medida.

O PP ainda integra a aliança?

Desde o primeiro momento. O partido votou favoravelmente nas matérias mais importantes do governo, principalmente na Câmara.

Está no Senado ou na Câmara a maior dificuldade do governo?

Não vejo grandes dificuldades do governo em nenhuma das duas Casas. As taxas de crescimento e geração de emprego se devem, em muito, ao desempenho do Congresso, que aprovou a reforma da Previdência, a tributária, a Lei das Parcerias Público-Privadas (PPP), a Lei de Falências. Não tenho do que me queixar, nem a sociedade pode reclamar do Congresso .