Título: Severino atropela liturgia e faz acordos até no banheiro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2005, Nacional, p. A9

Presidente da Câmara ignora formalidades e gabinete recebe romaria de deputados

CONGRESSO BRASÍLIA-O gabinete da presidência da Câmara, na gestão Severino Cavalcanti (PP-PE), é uma fotografia do personagem que ganhou fama nos últimos 40 dias e comanda a Câmara com um estilo nada formal. O terceiro homem da República trabalha e despacha numa sala com pouco mais de 10 metros quadrados, em meio a uma algaravia de assessores que se trombam, num entra-e-sai interminável, onde a marca principal é o estilo inconfundível. Em seu gabinete de trabalho, Severino absorve os louros da fama repentina sem mudar nada no seu jeito de homem modesto e político interiorano. Ele recebe as autoridades como receberia um eleitor de João Alfredo (PE), sua cidade natal. Administra com calma a permanente confusão reinante, que assusta qualquer mortal acostumado aos ritos formais do poder e da política, que ele ignora solenemente.

É comum que uma troca de segredos e a costura de acordos e conchavos, que podem definir os destinos do País, sejam feitas no banheiro do gabinete, entre uma pia e um vaso sanitário, para contornar a falta de privacidade do gabinete, sempre cheio de gente. "É lá que o presidente Severino mantém conversas sigilosas com os deputados", confessa um graduado assessor da Câmara.

Outras cenas também surpreendem pelo rito informal, estranho à tradição e à liturgia da Câmara. O normal, por exemplo, seria ele convocar a secretária Gabriela sempre que precisar; mas na quarta-feira, às 21h30, Severino foi até a mesa de Gabriela e, à vista de assessores e parlamentares, ele pediu que sacasse R$ 2 mil de sua conta bancária para custear as suas despesas durante o feriado de Páscoa.

Gabriela pensou resolver o problema de uma forma moderna: deu-lhe o seu cartão de débito. Severino recusou: "Eu quero em dinheiro, não quero isso, não." Ela ainda cochichou alguma coisa no ouvido dele, mas o deputado se manteve irredutível. Desconcertada, ela foi fazer gestões para conseguir o dinheiro àquela hora. Minutos depois, retornou com a quantia pedida, acomodada num envelope.

Algumas vezes, a sala lembra mais um palanque de campanha do que o terceiro gabinete do poder no País. Sempre muito cheio, todos falam - como se estivessem discursando - ao mesmo tempo. Os deputados podem sempre entrar, mas nunca têm hora para sair; lá, participam de tudo, ou quase tudo.

Se for um membro do "baixo clero", os aliados preferenciais de Severino, o ingresso é garantido e a permanência, bem-vinda. O deputado Aroldo Cedraz (PFL-BA), por exemplo, estava exultante esta semana. Esteve com Severino Cavalcanti e saiu convencido de que o seu projeto de reforma do regimento da Câmara será, finalmente, colocado em votação.

SÁBIO

Outro exultante com a gestão pouco ritualística de Severino é o deputado Enéas Carneiro (Prona-SP). De espectro que vagava sem rumo pelos corredores, figura apagada na atual legislatura, ele se tornou um dos sábios mais ouvidos por Severino. Prosperam suas idéias para fortalecer o Proálcool e usar o girassol, cujos grãos integram a dieta vegetariana, como fonte de energia. "O trabalho de doutor Enéas é muito bom. Vamos trabalhar para viabilizá-lo", retruca Severino.

Alguns participam mais do que os outros. Os deputados Robson Tuma (PFL-SP), Ricardo Barros (PP-PR) e Celso Russomanno (PP-SP), por exemplo, compõem a "turma da animação". A última foi organizar um desfile de misses estaduais na ante-sala de Severino. A cada cumprimento das misses, os festeiros cobravam aos gritos um beijinho em Severino. A visita deu-se num clima jocoso, que contrastava com a austeridade do do gabinete.

Há quem se queixe de Severino. No quarto andar do Palácio do Planalto, o deputado José Múcio (PE), líder do PTB, reclamava que a presidência da Câmara tornou-se mais parecida "com um sindicatão", porque somente o líder do PP define a ordem do dia. "Eu ouço (José) Janene tanto quanto os outros líderes. Ele é líder do meu partido e, como tem a delegação dos meus companheiros, eu tenho de tratar de maneira diferente", explica, mais uma vez, Severino, aumentando a temperatura da confusão.