Título: Juro ao consumo cai e descola da Selic
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2005, Economia, p. B1

Medidas do governo para ampliar o crédito provocam queda da taxa média ao consumidor pela primeira vez desde setembro Os juros médios cobrados do consumidor em janeiro caíram em relação ao mês anterior, apesar da elevação da taxa básica, a Selic. É a primeira vez, desde que o Banco Central começou a elevar os juros básicos, em setembro do ano passado, que as duas taxas seguem caminhos diametralmente opostos. A pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Contabilidade e Administração (Anefac), que será divulgada na segunda-feira, revela que das seis linhas de crédito ao consumidor pesquisadas (comércio, cartão de crédito, cheque especial, CDC-Bancos, empréstimo pessoal-Bancos e empréstimo pessoal-financeiras), em quatro delas houve redução de juros cobrados, em uma não houve alteração de taxa e na outra foi registrada ligeira alta.

De setembro a dezembro, os juros ao consumidor vinham subindo e fecharam o ano em 6,06% ao mês com certa tendência de estabilização, de acordo com a pesquisa da Anefac. A taxa Selic, por sua vez, não parou de subir desde setembro 0,5 ponto porcentual ao mês e fechou janeiro em 18,25% ao ano, com tendência de alta.

"As mudanças na Selic estão demorando para ter efeito no consumo porque o governo vem adotando medidas contraditórias que ampliam o crédito", observa o presidente da Anefac, Miguel Ribeiro de Oliveira. Entre elas, ele aponta as linhas de crédito consignado com juros menores, a redução dos depósitos compulsórios dos bancos e a flexibilização das regras que permitem emprestar dinheiro até mesmo para quem está inadimplente. Além disso, foi ampliado o limite de penhor, que na prática é um crédito com garantia real, de R$ 15 mil para R$ 50 mil.

"Essas medidas são positivas, mas contraditórias em termos de política monetária para segurar os preços e atingir a meta de inflação", diz Oliveira. Na sua opinião, nunca houve tanto crédito disponível no mercado.

Para o economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Emílio Alfieri, dois fatores explicam o comportamento fora do previsto dos juros ao consumidor em janeiro. Um deles é a própria concorrência que cresceu nesse segmento, com a entrada de grandes bancos comerciais que compraram financeiras e fecharam acordos com redes varejistas.

CALOTE

Além disso, o recuo da inadimplência, segundo Alfieri, abriu espaço para que lojas e financeiras absorvessem a alta dos juros sem repassar os aumentos do custo financeiro para o consumidor. Pesquisa da ACSP mostra que a inadimplência líquida do crediário, que é o saldo entre os carnês inadimplentes e recuperados em relação ao total de consultas para venda a prazo, atingiu no ano passado 4,2%, a menor marca desde 1995. O economista observa que esse resultado faz com que a inadimplência retome os padrões habituais. "Normalmente os manuais de contabilidade consideram uma provisão para devedores duvidosos (PDD) de 5% dos créditos a receber."

Já o supervisor-geral da Lojas Cem, Valdemir Colleone, atribui a resistência do varejo em aumentar os juros, acompanhando a trajetória da Selic, à concorrência acirrada entre lojas e financeiras. "Desde setembro não aumentamos nenhuma vez as taxas de juros. O mercado tem necessidade de manter as vendas sacrificando o lucro financeiro em favor de um volume maior." De certa forma, essa saída está surtindo efeito. Nos dez primeiros dias deste mês, a rede vendeu 8% a mais em relação ao mesmo período do ano passado, descontada a inflação e as novas lojas inauguradas. Em janeiro, o acréscimo tinha sido de 6%.

Alfieri considera a capacidade do consumo de se autopropagar, apesar do aperto monetário, "extremamente preocupante". Segundo o economista, isso pode resultar num aumento maior dos juros sem que haja uma desaceleração da economia suficiente para atingir o centro da meta da inflação prevista para este ano pelo BC de 5,1%, de acordo com o IPCA.

Diante do comportamento da expectativa de inflação e a elevação da taxa Selic registrada até agora, o BC teria de elevar os juros básicos para 24% ao ano para atingir o centro da meta de inflação, segundo Alfieri. "A notícia da queda dos juros ao consumidor poderia ser boa, mas não é."