Título: 'Não dá para fazer chover. É preciso conviver com a seca'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2005, Nacional, p. A8

Coordenador do Unicef diz que essa lição deve começar na escola

Já que a seca é inevitável, a estratégia tem de ser aprender a conviver melhor com ela. Com essa filosofia, associações, sindicatos e igrejas têm trabalhado para mudar a histórica cara do sertão. Embora terra rachada e mandacarus ainda prevaleçam na paisagem, vêm ganhando destaque no semi-árido iniciativas para melhorar a qualidade de vida na região. "Sempre se enfrentou a seca, um equívoco histórico. Não dá para fazer chover, mas se pode conviver com a seca", explica Ruy Pavan, do Unicef. "É uma lição que deve começar já nas escolas, para que as crianças passem a ter orgulho de sua cultura e não tenham vontade de mudar de lá."

Um passo importante foi dado em 1999, com a formação da Articulação do Semi-Árido (ASA), movimento que reúne cerca de 750 entidades para apoiar projetos no sertão. Como o das cisternas, que são instaladas no quintal das casas e armazenam a água da chuva que cai nos telhados.

Com capacidade para 16 mil litros - suficiente para uma família de 5 pessoas passar um ano cozinhando, bebendo, lavando o rosto e escovando os dentes -, o projeto das cisternas beneficia famílias que antes tinham de guardar água de caminhão-pipa em barreiros a céu aberto, baldes ou tambores e custa R$ 1.500, incluindo aí a capacitação das famílias. "Tudo é feito de forma cidadã, a custo mais baixo, sem empreiteiras. Ao contrário de antes, quando muitos prefeitos trocavam a cisterna ou o caminhão-pipa por voto", diz o historiador José Adelmo Pires dos Reis, do Centro Dom José Brandão de Castro.

"Agora durmo tranqüila", conta a lavradora Silvânia Lima Silva, de 32 anos. "Antes deitava já pensando em sair de madrugada no carro de boi para andar seis quilômetros até o Rio São Francisco buscar água." Seu quintal tem desde fevereiro a cisterna 79.950 de um projeto bancado pela iniciativa privada e por um fundo inglês, com apoio do governo, cuja meta é construir 1 milhão de cisternas no sertão brasileiro. No Assentamento Cajueiro, onde ela vive, outras 96 famílias foram beneficiadas. E, segundo a agente de saúde Maria José Lima de Matos, em um mês os casos de diarréia caíram pela metade.

PROJETOS

Há outros projetos, como o dos bancos de sementes caboclas - mais resistentes e adaptadas à região - e o de uma cisterna para 50 mil litros, suficiente para pequena irrigação. Na área de educação, um destaque é o projeto Baú de Leitura, onde educadores desenvolvem atividades, como teatro e dança, com meninos de 7 a 16 anos a partir de histórias que estão nos livros do baú.

"Muitas das nossas crianças antes trabalhavam na pesca do camarão e na roça", conta Maria do Ó Campos Menezes, coordenadora do projeto no povoado Lagoa Primeira (SE), onde 44 crianças também atendidas pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) participam das atividades do Baú de Leitura todas as terças-feiras.

Mas ainda sobram problemas. Depois de meses sendo capacitadas, monitoras do Baú em outros municípios, como Canindé (SE), perderam o emprego com a mudança de prefeito. Uma delas, Elisângela Góis, de 19 anos, agora se dedica a plantar quiabo. Mas já pensa em seguir o exemplo de duas irmãs mais velhas, que migraram para São Paulo e hoje vivem em Interlagos, zona sul. Uma trabalha de babá, outra é massagista.