Título: Bush e os subsídios
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Notas e informações, p. A3

O governo americano propôs ao Congresso um corte de 5% nos subsídios internos à agricultura. A iniciativa foi bem recebida no Brasil e noutros países dependentes de exportações do agronegócio. Não é uma revolução na política agrícola dos Estados Unidos, mas é um gesto muito bem-vindo, num momento em que diplomatas de todo o mundo procuram avançar nas negociações globais de comércio, a Rodada Doha.

Os negociadores mais influentes conseguiram, em julho do ano passado, criar condições para desemperrar os trabalhos. Foi o primeiro resultado positivo depois do impasse criado na conferência ministerial de Cancún, em 2003.

Com muito empenho, acordaram as bases para levar adiante a mais ambiciosa negociação comercial até hoje tentada. Mas o entendimento ficou em compromissos muito genéricos, apenas suficientes para apontar a direção e o alcance das negociações.

Avanços concretos dependem, agora, de propostas mais detalhadas. Em relação ao comércio agrícola, será preciso discutir processos e prazos de eliminação dos subsídios internos e à exportação. Será preciso definir quais serão as obrigações de economias desenvolvidas e em desenvolvimento e esclarecer, além disso, quais serão as subvenções admissíveis.

Todos esses pontos são complicados. Armadilhas podem surgir em cada uma dessas questões e o debate será cada vez mais complexo, tecnicamente, na medida em que os negociadores avancem no exame dos detalhes.

O governo americano já se dispusera a defender, na rodada, a eliminação completa dos subsídios à exportação. Houve resistência dos europeus à idéia de eliminação total. Essa resistência parece estar superada, mas, de toda forma, a boa vontade européia dependerá da certeza de que os americanos não manterão, sob disfarce, subsídios que distorçam a concorrência.

Para as economias em desenvolvimento, o ideal é um acordo que elimine todos os subsídios causadores de distorções e que, além disso, abram os mercados do mundo rico às suas exportações. São esses objetivos que unem os integrantes do Grupo dos 20 (G-20), países com agriculturas tão diferentes quanto as do Mercosul, da China e da Índia.

Os diplomatas do G-20 estão empenhados, neste momento, em detalhar o que pretendem obter com a negociação agrícola. Em relação aos subsídios internos americanos, o principal negociador brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC), embaixador Clodoaldo Hugueney, informa que o objetivo brasileiro é conseguir uma redução de 70% ao longo de um período que ainda será discutido.

Esse objetivo está muito distante do corte de 5% incluído no projeto de orçamento americano para o próximo ano fiscal. A novidade positiva nesse projeto é a inversão de tendência. Com base na Lei Agrícola aprovada pelos congressistas americanos em 2002, os subsídios continuariam a crescer. O corte proposto pelo governo do presidente George W. Bush é parte da solução encontrada, até agora, para combater o enorme déficit fiscal dos Estados Unidos. O Executivo americano pretende manter a redução de impostos concedida a uma parte dos contribuintes e, além disso, elevar mais uma vez os gastos militares. A redução dos subsídios internos à agricultura é uma das alternativas que sobram para adequar as contas à política de ajuste prometida pelo governo.

A União Européia assumiu nos últimos dois anos um compromisso mais claro que o do governo americano. Planejou uma reforma de sua política agrícola e desenhou os mecanismos que serão utilizados.

A motivação da reforma européia, assim como no caso da proposta orçamentária do governo Bush, é a dificuldade crescente para conciliar os subsídios com os objetivos do equilíbrio fiscal. Pelo menos um tropeço já ocorreu na execução da reforma européia, com o recente aumento da subvenção às exportações de trigo.

Há muito que fazer, nos próximos meses, para aproximar as posições dos vários grupos de países, na OMC, e formular as bases de um entendimento para o sucesso da Rodada Doha. Será preciso estabelecer propostas realistas e aceitáveis para os diferentes grupos até o fim do ano, quando será celebrada em Hong Kong a próxima conferência ministerial.