Título: Nos anos 80, alerta máximo e o medo de revanche da esquerda
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Nacional, p. A10

Serviço de informação investigava líderes da oposição e fazia relatórios alarmantes sobre os movimentos esquerdistas

Luciana Nunes Leal

RIO - Ameaça de retomada da Guerrilha do Araguaia. Infiltração de comunistas no PT. Associações para a derrubada do regime. Perigosa presença de esquerdistas na prefeitura paulistana. No início dos anos 80, o tom era de alerta máximo. O País vivia os efeitos da Lei de Anistia e o serviço de informação do governo produzia alarmantes relatórios sobre cada movimento da oposição. Os agentes investigavam líderes emergentes da esquerda, acompanhavam reuniões, manifestações e viagens e nos relatos indicavam o temor de que se espalhasse um clima de revanche contra excessos da repressão.

Documentos confidenciais produzidos pela Divisão de Segurança e Informação (DSI) entre 1980 e 1984, que estão no Arquivo Nacional, mostram a tensão com a abertura e a preocupação com a criação de partidos e associações de direitos humanos e a presença de "subversivos" em cargos públicos. O relatório de 31 de agosto de 1981 concentra-se no recém-formado Partido dos Trabalhadores.

Cita líderes de destaque, como José Dirceu, José Genoino, Luiz Eduardo Greenhalgh e Eduardo Suplicy. Fala dos planos do PT de lançar candidatos nas eleições de 1982 e alerta: "A subversão vem alargando os passos de sua caminhada desde a concessão da anistia. E o faz de forma bem mais perigosa, isto é, o massismo (sic!)."

Passadas as eleições, os relatórios concentram-se na participação de militantes da esquerda em governos estaduais. Alguns municípios, como São Paulo, foram alvo da DSI, que, em 19 de janeiro de 1983, alertou para a presença de "comunistas" na Secretaria da Família e Bem-Estar Social". Entre os perigosos funcionários listados estava Luiza Erundina ("militante do PC do B"), que em 1989 seria eleita prefeita. "Predominam entre pessoas infiltradas na Fabes elementos que ocupam cargos de nível elevado, principalmente sociólogos e assistentes sociais, que aproveitam o contato com a população para difundir idéias de cunho marxista, promover agitações e desmoralizar o regime."

Em 1.º de dezembro de 80, relatório sobre a "Caravana do Araguaia", viagem feita por parentes de militantes mortos ou desaparecidos naquela região do Pará, deixa claro o temor de que proliferem denúncias de tortura e cobranças de punição. "A 'Caravana do Araguaia', embora promovida pelo Comitê Brasileiro pela Anistia, está inserida na tática atual do PC do B, que é a de promover a reabilitação da 'Guerrilha do Araguaia' e cobrar do governo o julgamento daqueles que lutaram contra a subversão", avisa o documento.

Apreensão maior foi manifestada em 19 de janeiro de 1983, no relatório sobre a criação da seção brasileira da Anistia Internacional. "Uma seção brasileira da AI terá como objetivo, basicamente, mobilizar a opinião pública contra atitudes do governo destinadas a reprimir a subversão", diz. "Em nome da democracia, pretender-se-á reivindicar o 'fim do aparato repressivo', a 'liberdade de organização política e sindical', a 'convocação de uma Constituinte' e outras 'bandeiras' semelhantes, tudo exatamente de acordo com os princípios comunistas".