Título: Colapso à vista
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2005, Economia & Negócios, p. B2

Quem está aposentado não tem segurança de que sua aposentadoria será vitalícia porque ela pode ser cortada por simples colapso de recursos. E quem ainda não se aposentou não tem segurança de que, no futuro, terá os benefícios garantidos por lei.

Há dez dias, o ministro José Dirceu dizia que a Previdência sofreria um "choque de gestão" para conter a sangria das despesas com Auxílio-Doença, que foram de R$ 2,1 bilhões em 2001 e apontavam para R$ 9,0 bilhões em 2005.

Mas outras áreas do INSS também estão exigindo choques assim. No Estadão de domingo, o presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, João Batista Inocentini, denunciou a existência de ao menos 1 milhão de aposentadorias pagas mensalmente a pessoas que já morreram. Isso dá uma idéia do descontrole.

Por mais competente que possa tornar-se a administração da Previdência - o que até agora não foi demonstrado -, o problema principal é mais profundo. É como ser competente para enxugar a água que esteja entrando por baixo da porta de um camarote de navio. Por mais hábeis que as pessoas sejam no manejo de baldes, rodinhos e panos de chão, de nada adiantará essa aplicação se o rombo estrutural do navio não for debelado.

O déficit do INSS foi de R$ 13 bilhões em 2001, passou a R$ 23 bilhões em 2003 e tende a ser de R$ 38 bilhões neste ano. Enquanto isso, o déficit da previdência do setor público foi de R$ 30 bilhões em 2003 e deverá repetir esse valor neste ano.

O rombo do INSS tem a ver com aposentadoria precoce e baixo nível de contribuição para o sistema. Mulheres contribuem 30 anos e homens, 35, com 11% do salário até o teto, que hoje é de R$ 2.508,72. Elas se aposentam entre 50 e 55 anos e eles, entre 50 e 60. Nessas faixas etárias a expectativa de sobrevida é de 28,2 a 24,3 anos para a mulher e de 24,3 a 20,6 anos para o homem. Esse é o tempo médio pelo qual recebem aposentadoria integral para sua faixa de contribuição.

Ainda que se leve em consideração a eventual existência da contribuição da empresa empregadora, essa conta não fecha. Nada menos que 63% da População Economicamente Ativa (PEA) do Brasil não tem quem lhes recolha a contribuição patronal para o INSS porque vivem na informalidade.

Sempre que o impasse é matemático, o brasileiro apela para o "direito adquirido": a Constituição e a lei ordinária garantem a aposentadoria. Mas, se não houver fonte de financiamento, não há direito adquirido que resolva.

A Previdência Social do Brasil não tem consistência atuarial. Se é verdade que cada rombo do sistema deve ser coberto pelo Tesouro, está próximo o dia em que a arrecadação não será suficiente para financiá-lo. O governo Bush já providencia uma reforma do sistema previdenciário americano, cujo objetivo é tapar um rombo que só vai ocorrer em 2037. No Brasil, o déficit previdenciário vem desde 1996 e cresce todos os anos.

Não é culpa só do governo Lula que as coisas estejam assim. As reformas do setor conduzidas pelos governos anteriores não passaram de pintura de parede. Mas a do primeiro ano do governo Lula não foi diferente. Podou benefícios por meio do chamado "fator previdenciário", que reduziu a incidência de aposentadorias prematuras. E ficou por aí.

De um governo que se diz comprometido com os interesses dos trabalhadores esperava-se solução consistente com o futuro deles. Se o sistema previdenciário fracassar, tanto as próximas gerações como a de hoje serão sacrificadas. Mas a geração atual é que será responsabilizada por tanta omissão diante do alastramento de um problema de tamanha gravidade.

FALHA NOSSA

Ontem ficou dito aqui que o real forte aumenta as dívidas em moeda estrangeira. É o contrário: é a desvalorização do real que aumenta as dívidas em dólares.