Título: A Igreja guarda um mistério: o testamento
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2005, Especial, p. H1

O Vaticano confirma que João Paulo II deixou mesmo o documento, mas informa que ele ainda não foi lido

CIDADE DO VATICANO-Enquanto milhares de pessoas passavam cerca de seis horas na filas para dar o último adeus ao papa João Paulo II fora da Basílica de São Pedro, nas salas centenárias do Vaticano o Colégio dos Cardeais se reuniu pela terceira vez ontem. Mas não conseguiu definir a data de início do conclave que escolherá o próximo papa. Com todos os cardeais tendo jurado manter total sigilo sobre o conteúdo dos debates, ficou para analistas, vaticanistas e jornalistas especializados tentar decifrar os motivos de tanta indefinição. O Vaticano ainda confirmou, depois de muita polêmica, a existência de um testamento de Karol Wojtyla.

Joaquín Navarro Valls, porta-voz do Vaticano, afirmou que a reunião de ontem já contou com 91 cardeais, embora vários outros estivessem chegando no mesmo momento a Roma. Mesmo sem data, as regras da Santa Sé exigem que o conclave seja iniciado entre os dias 17 e 22. A Igreja, porém, não deu nenhuma explicação sobre as razões da demora.

Outra polêmica se refere ao testamento de João Paulo II. Ontem, pela primeira vez, o Vaticano confirmou oficialmente a existência do documento. Mas deu indicações de que ainda não foi lido, mesmo três dias após sua morte. Isso poderá ocorrer hoje, na quarta reunião realizada pelo Colégio de Cardeais. O que o Vaticano não explica é como sabia que o papa não tinha desejos de ser enterrado na Polônia, como esperavam seus compatriotas. Na segunda-feira, a Igreja anunciou que o funeral ocorreria em Roma, insinuando que não havia indicações contrárias por parte do papa.

Se o local do enterro não foi mesmo mencionado por João Paulo II, a expectativa é de que o testamento tenha uma carga espiritual significativa. Uma das possibilidades é de que revele quem é o cardeal secreto do Colégio, conhecido como cardeal "in pectore" (cardeal no coração). Esse religioso teria sido nomeado de forma secreta pelo papa em 2003, mas nunca foi revelado. Essa seria uma forma de o Vaticano apontar um membro do Colégio de Cardeais em um local onde a Igreja esteja sendo oprimida.

Navarro reconheceu ontem que não sabia dizer se o testamento ou qualquer documento deixado pelo papa revelava tal informação. Mas o Vaticano se comprometeu a tornar publica a informação após s leitura dos textos.

O Vaticano também esclareceu ontem que o corpo do papa não foi embalsamado, como havia sido anunciado por parte da imprensa. Mas não foram dadas explicações sobre a preparação feita para que ficasse exposto durante todos esses dias. Navarro também não disse quanto custaria o funeral, considerado um dos maiores eventos realizados pela Igreja nas últimas décadas.

A reunião de ontem dos cardeais ainda definiu questões relacionadas ao enterro de João Paulo II. Seu corpo será colocado na cripta onde estava João XXIII, no subterrâneo da Basílica de São Pedro. O lugar está vago, já que João XXIII ganhou uma vaga dentro dos locais públicos da basílica após ser beatificado no ano 2000.

O Vaticano também informou ontem, sem revelar sua fonte, que João Paulo II teria pedido para ser enterrado de maneira que seu túmulo não ficasse acima do solo. Alguns dos papas que estão na cripta do Vaticano estão em sarcófagos que podem ser vistos pelo público. O papa ainda terá seu rosto coberto por um pano branco, provavelmente de seda.